domingo, 22 de maio de 2011

Lutadores com poder astral...

Meu irmão chegava correndo da escola e me perguntava o que havia acontecido com eles. Eu descrevia, às pressas, na hora do almoço. Lamentávamos, comemorávamos, entre nacos de carne e porções desagradáveis de salada. Corria para o colégio. Meus amigos me esperavam – em sua grande maioria, meninos – no fundo da sala, onde repetíamos a trajetória vivida por nossos heróis naquela manhã. Um dos colegas, o Pablo, desenhava o meu favorito, em várias versões, o do “Pó de Diamante” e do “Trovão Aurora”. E depois da aula: o replay. Melhor que qualquer gol. No fim da tarde, na saudosa rede Manchete.
Na realidade, a princípio, eu não entendia o que hipnotizava meu irmão e meus amigos. Eles começaram a falar nomes estranhos, a imitar esdrúxulas coreografias, a parecer mais taciturnos vez em quando. Mas, certa manhã, em um feriado... foi que descobri. O meu primeiro episódio de “Cavaleiros do Zodíaco” já me fez chorar sem censuras. Justamente aquele em que o Camus de Aquário (que camusiano!) aprisionava o do Gelo, o Hyoga, o do complexo de Édipo (ou sei lá), em um esquife, porque era fraco de mais para continuar pelas temidas doze casas do Zodíaco.
Depois vieram as outras sagas, os outros dilemas, e também os caros bonecos (e suas falsificações), novas armaduras, histórias cada vez mais freudianas, a trilha sonora, o sétimo sentido, cegueiras, cachoeiras que corriam para o lado contrário, mestres. Em seguida, surgiram novos animes. Ainda deu para gostar do Naruto, do Evangelion, do Escaflowne e, claro, dos longas do Miyazaki. Mas nada, nunca mais – nunca mais! – foi como os Cavaleiros do Zodíaco.
Dias atrás, recebi esse link: http://tirinhasdozodiaco.blogspot.com. Não é para menores de dezoito anos, mas satiriza questionáveis heroísmos, e ironiza muitas das questões que, àquela época, já nos fazíamos acerca desses ímpares guardiões do universo.

*

E o Anathema quase veio outra vez. Publicou na página oficial há meses. Logo começaram a chegar as mensagens, porque, você sabe, meu amor por eles não é segredo. Corremos, compramos os ingressos (o primeiro lote acabou em dois dias!), pagamos a excursão, faltavam só duas semanas... e eu saí pela casa, beijando paredes e entoando: "eu amo a minha vida, eu amo a minha vida." Mas algo me dizia que não era de bom agouro falar no assunto. Dito e feito: na semana passada, na minha maior crise existencial de todos os tempos, uma briga entre produtores gerou o novo cancelamento do show deles no Brasil. Tudo porque os empresários argentinos descobriram que os brasileiros não tiveram que pagar as passagens de avião dos músicos, como eles haviam feito. Só por isso. E a gente ficou sem o Anathema outra vez. É, de fato, uma maldição. E depois ainda dizem que preciso ser mais positiva com a vida... jajaja! ;-)
(22/05/2011)

domingo, 8 de maio de 2011

Gradiva

“Gradiva” é um nome que, recentemente, em razão de um filme, voltou a fazer parte da minha vida, mas que me apareceu, pela primeira vez, após um elogio inusitado. Cerca de cinco anos atrás, um professor de Teoria da Literatura me disse: “Sei que isso vai parecer estranho, e me perdoe se soar desrespeitoso, mas... estive observando os seus pés. E preciso dizer: você tem simplesmente os pés mais bonitos que eu já vi. Você deveria ser dublê de pé, modelo de propaganda de sandália!” Falou-me, então, de um livro, um romance de Jensen, do início do século passado, sobre o qual – depois vim a saber – também Freud escreveu, e que se tratava justamente de um homem que se apaixona por uma mulher por causa da beleza de seus pés. E acrescentou: "Uma mulher com os seus pés precisa ler Jensen!" Pois bem: na semana passada, fui eu a uma loja de sapatos. Pedi um calçado que fosse, ao mesmo tempo, bonito e confortável – o que parece ser uma combinação paradoxal. O vendedor me olhou incrédulo e passou em revista toda a loja, desesperançoso. Depois de algum tempo, porém, arriscou: “Há calçados que são feios fora do pé, mas, se você calçar, quem sabe...” Pus-me, então, a experimentar as sandálias, sapatos, sapatilhas que ele me apresentava. E, acredite: todos eles, de alguma forma, pareciam transformar-se. Uma senhora sentou-se ao meu lado e passou a observar meu exercício de experimentação. Qualquer par que eu colocasse no pé, e ela dizia: “Que bonito!”, perguntando, em seguida, inquisitiva: “Você vai levar? É que eu gostei tanto...” Eu tirava o calçado do pé e lhe entregava – em respeito aos mais velhos. Ela experimentava e os devolvia ao vendedor, correndo novamente para, com todo o respeito, “urubuzar” o calçado que eu estivesse testando no momento. Houve um instante em que ela chegou ao cúmulo de se interessar por um par que o vendedor acabara de tirar das mãos, ou dos pés, dela: “Que lindo! Onde você achou? Será que tem o meu número?” Eu começava a ficar irritada: “Mas a senhora acabou de experimentá-los! E não quis!” Acabei me afastando da pobre senhora e indo sentar-me junto a duas outras mulheres, que, adivinhe, queriam saber onde eu tinha encontrado aquele par ali, que estava justamente nos meus pés... Enfim. Saí da loja feliz e saltitante, com quatro pares novos de calçados – o que faz a alegria de qualquer mulher – e desconfiada de que o elogio do meu professor tinha lá o seu fundo de verdade.

(08/05/2011)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Marido de Aluguel

Poucas décadas atrás, com a liberação sexual, a valorização da mulher no mercado de trabalho e a crise da moral e dos bons costumes, veio à tona uma espécie até então encoberta pelos grupos sociais mais ortodoxos: as mães solteiras. No princípio, eram rechaçadas, provocavam a vergonha da família e vaticinavam a impossibilidade de casamento a todas as fêmeas de mesmo sobrenome. Entretanto, com o gigantesco aumento de incidência desses casos, as mães solteiras passaram a ser aceitas nas reuniões, nas igrejas, nos almoços de domingo. Com isso, algumas foram sofrendo mutações que deram origem a espécies similares, como as divorciadas convictas e as mães de proveta. Embora alguns detalhes as diferenciem – como o modo de concepção da prole e o nível de convicção quanto à ausência de um macho – todas têm em comum o dever de:
1) criar e educar os filhos, tornando-os cidadãos honestos e bem empregados no futuro;
2) atualizar-se constantemente – lendo jornais, revistas, bestsellers, participando de workshops, especializações e cursos de idioma – a fim de não perder o posto arduamente conquistado no trabalho;
3) cuidar da casa, o que pode ser feito com as próprias mãos, ou – caso o dinheiro sobre para pagar todos os encargos sociais – com a contratação de uma empregada;
4) cuidar de si mesmas, o que inclui frequentar a academia, evitar frituras, álcool e sobremesas, fazer os exames preventivos anualmente, lavar o rosto com sabonete neutro e esfoliante, passar o protetor solar, usar óculos escuros, vestir-se bem (inclusive quanto aos sapatos e à lingerie), hidratar o cabelo e aparar as pontas mensalmente, fazer as unhas semanalmente etc.
Graças a essas conquistas, pelas quais lutou-se tanto no passado, as mulheres são agora seres humanos completos, não mais objetos sexuais, escravas exploradas por seus maridos, ou nulidades intelectuais. Ótimo. Acontece que, apesar das maravilhas dessa independência toda, às vezes faz falta um indivíduo do sexo oposto – se é que você me entende. Aqueles dias em que a mulher não consegue se virar sozinha, e precisa de alguém que troque a lâmpada, pendure o varal na área de serviços, coloque aquele quadro na parede, conserte a torneira do banheiro, lave a caixa d´água. Para resolver tais problemas, surgiu aquilo que começa a abalar a estrutura das grandes cidades: as agências de Maridos de Aluguel, onde se contratam, como o próprio nome já diz, maridos.
Tudo acontece no já conhecido esquema de entrega em domicílio – vulgo delivery: a mulher telefona, explica o problema a ser resolvido, quando gostaria de receber a visita do tal Marido de Aluguel e, na hora indicada, lá está ele, com a chave de fenda em riste, pronto para satisfazer todos os seus desejos domésticos. Bem, mais ou menos. Em se tratando de um marido, ele vai atrasar uma horinha e meia, à qual culpará o trânsito, a hora-extra, o patrão. A mulher vai fingir que não sente o cheiro da cerveja-com-os-amigos quando ele lhe der um beijo no rosto e disser “Oi, querida.” Depois, ele se lembra a que veio e pergunta, com um sorriso malicioso: “Foi daqui que pediram um Marido de Aluguel?” e, ao que a mulher consente, ele rasga violentamente a camisa, expondo seu peitoral bem definido, e a atira no sofá, agora sim pronto para satisfazer todos os seus desejos. Bem, a parte de tirar a camisa pode até acontecer, mas, visto se tratar de um marido tradicional, quem vai se atirar no sofá é ele, acompanhado de sua barriga redonda de chope e do seu adorável controle remoto.
Após trocar de canal indefinidas vezes, por insustentáveis longos minutos, ele acaba se decidindo por uma partida de futebol da série C do Campeonato Paulista. A essa altura, está só de cuecas; meias, sapatos e calças estão espalhados pela sala, esperando silenciosamente serem apanhados pela mulher. Mas ela está ocupada preparando o jantar e tirando a cerveja do congelador para o Marido. Então, ao entregar a latinha para ele no conforto de seu sofá, a mulher aproveita e menciona o problema da torneira do banheiro e do varal da área de serviços. Ele diz, sem se virar, que vai resolver o problema já, já, e grita um palavrão para o centroavante que perde um “gol feito” do outro lado da TV.
É o momento crucial. Ela tem duas opções. Na primeira, decide dar credibilidade à agência de Maridos de Aluguel, e insiste em contratar o mesmo funcionário para, durante dias, talvez semanas ou meses, frequentar o seu sofá, até que, finalmente, resolva realizar as tarefas que lhe foram inicialmente designadas. Ou, na segunda opção, ela enxota o Marido, com a elegância das mulheres independentes, e, no dia seguinte, contrata os serviços do concorrente, os Amantes de Aluguel – apostando, é claro, na verossimilhança das nomenclaturas em relação a suas funções, em nossa sociedade aprazivelmente moderna.
(22/12/2007)