quarta-feira, 21 de setembro de 2011

I was happy in the haze of a drunken hour...

O que já seria risível nas mulheres, nele, disparou para além do patético. Era ainda a época do Orkut, e ele, assim como todos os seus colegas, vizinhos e amigos, entregara-se à melancólica tarefa de expor sua vida a quem deveria, como bem disse o Morrissey, just “kick in the eye”. Mas a sede pela lente, pelo “testimonial”, pelos álbuns inverossímeis repletos de pessoas felizes – que, num perfeito duplo das campanhas publicitárias, estão sempre maquiadas, bem vestidas e, se possível, devidamente “fotoshopadas” – falou mais alto. No princípio, era só um site a mais a deixar aberto no computador do trabalho, quando os assuntos do escritório não eram tão interessantes e os relatórios podiam ser entregues no dia seguinte. Depois, entretanto, a sede foi se tornando mais e mais tantálica, e novas ferramentas e novas possibilidades foram se abrindo. A desculpa era nobre: ter notícias dos amigos de colégio, com quem não se comunicava há muito tempo (e com quem, na maioria das vezes, não tinha mais nada em comum além do fato de terem estudado no mesmo lugar). Depois, notícias foram se transformando em fofocas, especulações, invasões de privacidade, curiosidade mórbida. E ele já não conseguia fechar aquela maldita janela. O vício, ao menos, rendera-lhe um encontro, que aconteceu graças à comunidade “Eu odeio acordar cedo”. Marcela e ele efetuaram, então, os devidos procedimentos de quem faz parte de uma rede social: anunciaram no site, antes mesmo de estarem seguros disso na vida real, que estavam namorando. E encheram as respectivas páginas de fotos, declarações, depoimentos fofos. O relacionamento durou o tempo que tinha que durar, acabou por morte natural, incompatibilidade de gênios, nada de mais. Bem, não seria nada de mais se Marcela não tirasse as fotos do casal de sua página assim tão prontamente, logo após a discussão derradeira. Aquilo partiu o coração do rapaz. “Ela tirou as fotos do Orkut! Ela tirou as fotos do Orkut! Nem esperou para saber se era pra valer...”, lamentava-se ele. Ninguém imaginava, entretanto, que, naquela mesma tarde, fosse tomar a direção contrária de uma rodovia de mão única e chocar-se contra um caminhão. Durante algum tempo, seus amigos, colegas e vizinhos enviaram-lhe mensagens póstumas pelo Orkut fantasma. Mesmo Marcela chegou a postar que estava arrependida, que voltaria atrás se pudesse. Como ninguém tem a senha, vaga no eterno limbo virtual a página de um jovem sorridente, sarado, que, do cenário paradisíaco de uma praia nordestina, faz um “joia” para a câmera. Até hoje. Só que agora ninguém mais vê porque, você sabe, agora a onda é o Facebook.

(21 de setembro de 2011.)

domingo, 11 de setembro de 2011

No terrero, sob a lua

Em seus “Diários de Viagem”, o Camus descreve sua visita ao Brasil – onde era “tão conhecido quanto Proust” – e a noite em que fora levado a um terreno de macumba, que o impressionara consideravelmente. Desde que li esse livro, na minha adolescência, despertou-se em mim a curiosidade por viver uma experiência semelhante. E isso aumentou depois que assisti a “Coração Satânico”, com o Michey Rourke, nos tempos em que ele ainda era galã. E eis que ontem, um sábado à noite, a possibilidade se me apresenta. Ou quase. Fui, com mais três mulheres, a uma apresentação de candombe, no alto da Serra do Cipó. Dirigimos por quase duas horas, jogamos nossas delicadas sandálias na poeira e na escuridão... mas eu achava que valia à pena, pois, finalmente, veria um pai-de-santo e participaria de um ritual que manifestasse o tão conhecido sincretismo brasileiro. Eu estava ansiosa até mesmo para sentir medo. Tentava afastar-me de qualquer etnocentrismo e combinava comigo mesma não julgar o que visse naquela noite que, eu pensava, seria simplesmente inesquecível, como são para mim certas palavras do Camus. Mas, não. Era só o candombe, mesmo. O que significa muita coisa, na verdade: essa apresentação, em específico, naquele vilarejo no meio do nada, acontece apenas uma vez por ano, e o ritmo é de fato muito bonito, e é bonito estar ali, entre os tambores. Os músicos tocam por cerca de doze horas, praticamente ininterruptas, e as pessoas vêm de diversas localidades só para vê-los. Havia ontem um par de ônibus da USP – provavelmente de antropólogos – só para essa apresentação. Além disso, havia os nativos, que abriam suas casas a desconhecidos, oferecendo-lhes bolo de fubá e biscoitos. Havia crianças por toda a parte, que inclusive cantavam junto aos tambores, e suas avós e avôs que dançavam como se fossem netos. E, claro, onde há muita gente, há barracas que vendem cervejas e pastéis, há câmeras de alta resolução e cidadãos mal intencionados, que acham que o mundo é uma grande micareta. Foi uma noite agradável, de lua muito clara e clima doce de quase primavera. Mas ficou longe das páginas do livro que li.

(11 de setembro de 2011.)

domingo, 4 de setembro de 2011

A uma semana do aniversário da queda das Torres Gêmeas

O “Home” é o último trabalho de estúdio da Anneke no The Gathering, de que havia me esquecido por muito tempo. Hoje o resgatei e me senti extasiada com a quantidade de trechos musicais magistralmente elaborados para despertar suspiros e encantados olhares para o mundo. Hoje, aliás, é o aniversário do meu namorado, e é uma história bonita essa a nossa, um casal meio Capuleto e Montéquio, se levarmos em conta a rivalidade futebolística dos nossos países de origem. Ele tem até mesmo o nome do Inimigo – aquele, o da “mão-de-Deus”. E ontem, enquanto eu o olhava – nesse jeito pós-moderno de olhar – ficava pensando na sorte que é existir alguém cujo simples sorriso nos mata aos poucos, devagar. Assim, elegi o “Home” para escutar hoje, sob o sol, não por acaso.

(04/09/2011)