sábado, 29 de outubro de 2011

http://www.youtube.com/watch?v=GYHkk53WlZ0&feature=related

Esta semana me fez pensar em trens. E na Europa. Porque, quando estive lá, andei de trem, claro. Mas, mais do que isso, porque os trens eram o espaço em que eu me afastava dos museus e dos alegres desconhecidos que me acolhiam, e voltava a estar sozinha, a ouvir meus pensamentos, a sentir aquele medo estranho do “e se tivesse dado errado?”, tão nonsense. A verdade, no entanto, é que tudo deu certo naquela viagem absurda, amadora. E era isso o que me preocupava nos meus momentos de deslocamento: por que estaria eu indo a outra cidade, a outro país, se, no lugar anterior – Paris, Berlim, Besançon – tudo havia sido tão bom? Bizarro desejo de mobilidade. Interessante, porém, é que nem nos trens o desamparo se estendia. Em um TGV, conheci uma francesa que lia os “Tristes Trópicos”. Ela estudava antropologia, começava a aprender português e viria em breve ao Brasil. Conversamos por todo o trajeto, trocamos contato e nos falamos por algum tempo depois. Na Alemanha, em Frankfurt, a caminho de Rostock, a parte mais tensa: o país mais estrangeiro, aquele de que não se compreende o idioma. Sentei-me ao lado de uma senhora de cabelos curtos. “Do you speak English?” Não. Pouca gente fala inglês no norte alemão. “Parlez-vous Français?” Nada. “Habla español?” Menos ainda. Mostrei meu bilhete. Ela entendeu o que eu queria. Disse na língua dela algo que entendi como se fosse na minha: “eu te mostro”. Depois gesticulei dizendo que “O Perfume” que ela lia era um livro muito bom (assim como veio a ser o filme). Um funcionário passou servindo café. Ela se fez entender novamente, mostrando como devíamos ser rápidos, antes que os jovens – que, barulhentos, jogavam baralho – acabassem com todos os copos. Indicou-me a estação. Eu agradeci com uma das únicas palavras que sei em alemão. Desci. E houve também aquele menino. Era meu movimento mais triste, porque eu deixava Paris sem vontade alguma de partir. Cansavam-me as malas pesadas de inverno. Sentei-me ao lado de um senhor que lia jornal. Então entrou aquela mãe com dois filhos. Um deles, um menino com jeito de judeu, de pijama listrado, de imigrante, olhou para mim. Devia ter uns quatro anos. Sorrimos. Foi o suficiente. Ele se afastou, voltou, trouxe dois carrinhos minúsculos de fórmula 1. E começou a jogá-los perto de mim, no intuito evidente de que brincasse com ele. Esbocei alguns movimentos, algumas palavras. Brincamos em inexplicável e imediata apatia. Mas o senhor ao meu lado irritou-se. Xingou. “Où est ta mère?”, gritava. Logo a mãe apareceu, pegando o menino, afastando-o de mim; eu, outra imigrante com balbucios. Desceram pouco depois. Da janela, ele sorriu, meu cúmplice. Um dos minúsculos carrinhos ficara comigo, azul-claro. Eu o guardei para sempre.
(29 de outubro de 2011)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Vitória vai ser nossa Marienbad

Não sei dizer qual foi a melhor parte de Vitória, cidade que também merecia a perífrase de maravilhosa, e de que a gente, injustamente, muito pouco ouve falar. Talvez a espera e a descoberta de que existe almoço grátis nos restaurantes caros do aeroporto. A cena hitchcockiana do voo rasante dos quero-queros, após o grito de guerra de “vamos roubar um filhotinho disso pr´a gente!”. Talvez só a praia com a chuva. Ou as noites em Mud Street, que começavam cedo e só acabavam no dia seguinte, às vezes longe demais até. A perseguição clandestina aos bebedouros na fábrica da Garoto. A família que nos recebeu como uma família. Cada uma das refeições, um prato mais divino que o outro, e as mantas que nos cobriam silenciosas na madrugada. A família que nos tornamos, em cuidados e fotografias. Os cross-hairing, os making off, os pentes de madeira. As conchinhas que tombavam da sacola no meio das comunicações de congresso, entregando toda a nossa minerês. Nós todos juntos e separados, o que se falou pelas entrelinhas, nos goles do “eu nunca”, ao pé dos ouvidos. Talvez o que eu não ouvi nem soube. Ou só o fato de ver o mar pela janela antes do café-da-manhã. Não sei dizer qual foi a melhor parte de Vitória. Porque talvez não haja, talvez ela seja como Marienbad: um tempo e um espaço em que fomos felizes, nada além. Um tempo, um espaço que só existiu na lembrança.

(10 de outubro de 2011.)