terça-feira, 29 de maio de 2012

Notas para se sentir ainda mais feliz

Eu costumava dizer, nos idos da minha adolescência, que as músicas realmente bonitas eram “canções para morrer.” Cheguei a organizar, com um amigo, duas compilações nessa temática: “Songs to die – I e II”. A ideia era de que, pouco antes de passar dessa para uma suposta melhor, uma boa maneira de se despedir da vida seria ouvindo tais melodias, para morrer não apenas em paz, mas preenchido de beleza, de contentamento, de uma espécie de contemplação sonora. Contraria-se, como se vê, a primeira impressão mórbida do raciocínio. Era como se, depois dessas canções, não precisasse de fato haver mais nada. Houve, no entanto, muita vida depois disso, o que, hoje, em especial, alegra-me muitíssimo. Porque hoje é um dia bonito, simplesmente por ser; porque nada se compara a uma consciência tranquila; porque, por diversos motivos, há cores no meu coração. Enfim. Com o passar do tempo, ser feliz torna-se mais fácil, mais barato e menos dramático. Contudo, por trás desse discurso algo epicurista, convém um bom par de fones de ouvido, ou de caixas de som, e uma trilha sonora que combine com esse estado de ânimo – ou de “alma”, que é a romântica origem latina da palavra. Façamos, então, uma compilação virtual, com o auxílio do adorável Youtube, cientes, porém, de que muita música de qualidade ficará, é claro, de fora, desta vez... Podemos começar sem palavras, como o Mendelssohn, só que com mais guitarras e uma bateria sincopada que me desritma por inteiro: “Hell´s kitchen”, do Dream Theater, uma velha conhecida da minha lista de favoritos: http://www.youtube.com/watch?v=7Ifpji6QUz8. Em seguida, um pouco de Filter, com o violão leve e o clipe curioso de “Take a Picture”: http://www.youtube.com/watch?v=h8MAHQhKe7Q. Se for para pensar em videoclipe, nada se compara, então, ao estalar de dedos e à simpática abelhinha de “No Rain” do Blind Melon: http://www.youtube.com/watch?v=KBmlA-YHrQg&feature=related. Ainda recorrendo à década de 1990, que venha o injustamente desconhecido Velocity Girl, e a letra escancarada de “I can´t stop smiling”: http://www.youtube.com/watch?v=W8OlSqROrXQ&feature=fvst. Ou o convite irrecusável de Robert Smith, do The Cure, com “Doing the unstuck” (“let´s get happy!”): http://www.youtube.com/watch?v=GHU8Y-XgWjg. Outra para lá de óbvia, mas que não poderia faltar nesta lista (ainda mais acompanhada de Michael Stipe, de bonezinho amarelo, dançando com a mocinha do B-52S) é “Shiny Happy People”, do R.E.M.: http://www.youtube.com/watch?v=iCQ0vDAbF7s. E, para quem, como eu, empolga-se é batendo cabeça, o Megadeth (mas poderia ser o Metallica ou o Iron ou um similar de sua preferência), com o bom refrão de “Symphony of Destruction”: http://www.youtube.com/watch?v=xX6UjWMffaY. Nessa linha, o metal dançante de “Serious”, do Scars on Broadway, que eu tenho adorado ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=JKkIkRlLbAg. E, para terminar, uma bem pessoal, com refrão apoteótico, para provar que o Anathema não é só melancolia: “Lightning song”, do novo álbum, com a doçura da voz de Lee Douglas, que é como se trouxesse em si, parodiando Pascal Quignard, “todas as primaveras do mundo”: http://www.youtube.com/watch?v=rNSPXI7wrTI. (29 de maio de 2012.)

terça-feira, 15 de maio de 2012

O pinguim que veio do inferno

No feriado da Semana Santa, tive a fatídica ideia de dar um livro ao Juninho. Eu já o havia presenteado com artigos semelhantes em outras ocasiões – HQ´s, revistas para colorir, passatempos, livrinhos de pouquíssimas páginas – mas esta foi a primeira vez em que a quantidade de palavras era, em muito, superior à de ilustrações. Quando abriu o embrulho, o pobre pré-adolescente mal soube disfarçar o desapontamento. Lia-se no rosto dele a dúvida cruel: “isso é um presente???” Tentei estancar o sofrimento do menino com algumas temporadas de “Supernatural”, e, aproveitando-me de um momento de ingênua distração, expliquei, sutilmente: “Isso é um livro. Você precisa lê-lo. Cada capítulo tem em média três páginas... então, leia um capítulo por dia e, quando eu voltar (em maio), você já terá terminado.” Ele estaria livre para me ignorar, inventar uma desculpa e nunca mais tocar no assunto se a avó dele, que é quem o cria, não tivesse contado a história ao meu primo, pai dele, policial em São Paulo ao estilo Capitão Nascimento do primeiro filme. Ele transformou aquilo num real dever de casa: Juninho agora não deveria apenas ler, mas também resumir a narrativa. Que situação desastrosa para nosso herói! Pedi que me mostrasse, então, o tal resumo das trinta e seis páginas que ele havia lido até então. Segue o texto na íntegra, sem alterações, escrito em uma tirinha de papel – quase um marcador – que ele guardava entre as folhas do livro: “Eu intendi (sic) que o pinguim não veio do frio. Ele tinha 3 amigos, que gostavam de aventuras.” Antes de prosseguir, uma informação: o titulo do livro é “O pinguim que não veio do frio” (de Wagner e Maga D´Ávila). Pois bem, era o primeiro resumo da vida dele, o primeiro livro de verdade, e não era justo esperar uma resenha crítica. Sentei-me com ele e ficamos alguns minutos lendo, conversando sobre o sentido das palavras, sobre os personagens, sobre como resumir o que se lia. Ele aprendeu o que significava “inconformado”, dando-me um exemplo de futebol. E, acredite, naqueles instantes, ele estava muitíssimo conformado com a leitura, e o presente, e a presença. Depois, para não desgastar a relação, sugeri que ele fosse jogar bola. Um pouco mais tarde, ria-se de si mesma a minha madrinha – a avó do Juninho: ela havia pensado que o livro se chamava “O pinguim que veio do inferno”. Em certo sentido, faz mesmo sentido. (15 de maio de 2012.)

sábado, 5 de maio de 2012

Precisamos escolher melhor nossos imperadores

“O goleiro é aquele que fica parado, sozinho, esperando pelo pior”. É com uma frase assim que tem início o bom “O ano em que meus pais saíram de férias”, filme brasileiro de Cao Hamburguer, lançado em 2006. Poucas vezes uma profissão foi tão bem definida quanto nessas palavras. Toco nesse assunto hoje porque, durante quase duas semanas, ele ficou entalado na minha garganta. A cada fotografia tendenciosa, cada comentário maldoso, cada ataque em rede nacional, eu só conseguia me condoer um pouco mais pelo goleiro do Corinthians, Júlio César. Ainda que sua atuação contra a Ponte Preta, quando da inacreditável eliminação do Paulista, tenha sido de fato bastante prejudicial à equipe, há muito tempo não vejo um jogador vestir a camisa do Timão com tanta entrega, tanta sacralização, tanto afeto. A maneira como apoiou, na última quarta, o promissor Cássio, que jogou em seu lugar contra o Emelec, é prova de que Júlio César é, antes de tudo, um torcedor, e, sobretudo, um torcedor corintiano. Faz lembrar o Ronaldo, o outro arqueiro, que defendeu o gol alvinegro por toda uma década. E os números falam por si: a defesa menos vazada dos campeonatos disputados este ano; invicto na Libertadores; quase ileso no Paulista; campeão brasileiro do ano passado. É evidente que o elenco e o esquema tático retranqueiro de Tite contribuem, em muito, para esses resultados. Mas quem estava no gol era ainda o Júlio César – que também ganhara, duas vezes seguidas (2004 e 2005), a Copa São Paulo de Futebol Júnior pelo time paulista. Assim, o massacre que tem vitimado o jovem futebolista, diante da mídia que quer sempre alguém para sacrificar, merece, no mínimo, uma ressalva: que seja exposto o outro lado da moeda, as jogadas decisivas, os pênaltis defendidos, o apoio aos companheiros de equipe, o amor à camisa. Afinal, um time se expõe à chacota não apenas quando deixa de conquistar um campeonato ou perde para uma equipe considerada inferior, mas também, e principalmente, quando prefere contratar mercenários em estado de decomposição a jogadores assim, comprometidos com o time em que atuam, com a torcida que defendem ou, pelo menos, com a profissão que desempenham. (05 de maio de 2012.)