terça-feira, 25 de setembro de 2012

A caminho

Um acidente de carro, na rua São Paulo, matou ontem duas pessoas. Uma delas queria ir ao shopping, almoçar McDonald´s, tomar milk-shake no Bob´s e comprar uma camisa nova para o namorado na Sketch. A outra precisava pagar a terceira prestação da viagem para Porto Seguro, que faria com os amigos no verão, e caminhava rumo à agência de turismo. Estavam diante de um banco em greve, as duas na mesma calçada, quando a van desgovernada as atingiu em cheio. Os vizinhos escutaram um estrondo e se assomaram à janela: mas, como quem ouve um trovão e se sabe atrasado, o relâmpago já riscara o céu, cortando a beleza do dia ao meio. Eram duas mulheres, jovens. Uma delas gostava de olhar as bandeiras tremulando ao sopro do vento. À outra encantavam o cheiro de gasolina e os concertos no Parque Municipal, no primeiro domingo de cada mês. (25 de setembro de 2012)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Enquanto leio André Comte-Sponville...

Perto da minha casa, em TC, vivia um carpinteiro apelidado Queijo. Ele era careca, barrigudo e tinha a barba longa como a de um velho marinheiro. Foi responsável pelos nossos armários embutidos, cuja qualidade é atestada há décadas, e por diversos outros utensílios domésticos, como o “chiqueirinho” do meu irmão. Nós, às vezes, o visitávamos em família, e me lembro bem de encontrar, em sua casa, os objetos de madeira em estado de preparação, sólidos, crus, pesados, sem ânimo. Mas eis que então eles apareciam, depois, com brilho e beleza, que me disseram ser fruto de uma camada de verniz. Verniz. Eu, que, àquela época, sabia ainda menos do que hoje sei sobre a vida, encantei-me com aquela palavra e seus efeitos sobre as coisas. Verniz: por quantas vezes será que nós, em busca de nos convencermos de uma felicidade além, não cobrimos nossas vontades, nossas conquistas, certas pessoas e lugares e bens materiais com uma camada caprichada de verniz? Será que, se não exagerarmos, para nós mesmos e para os outros, o valor de certas coisas, a vida será tão seca que não suportaremos a melancolia do opaco? Quantas vezes já não nos convencemos de que X ou Y eram nossa meta maior, sem saber que, por trás do verniz, não passavam de um sólido de madeira ordinária, sem valor e luz própria? (10 de setembro de 2012.)