segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Voltar

Voltar é muito mais do que descer do avião, tirar da mala coisas e as histórias que elas contam. É, em primeiro lugar, mais do que estar aqui, não estar lá. É recolher da carteira documentos e notas que não servem mais, cartões de biblioteca, velhos tickets de cinema, filmes vistos na companhia de pessoas que não mais o acompanharão. É ouvir a todo o momento a sua própria língua e travá-la quando cruzam-lhe expressões que são da outra, daquela que a custo quase chegou a ser familiar. Voltar é se lembrar que faz calor, e muito, e que as pessoas por isso se vestem como se se despissem, exalando um tom de pele que é quase um delito, uma depravação. É perceber que existem cores, muitas, e que elas se arregalam à luz do sol. É de novo saber que as frutas têm gosto, cheiro e não apenas um nome marcado na etiqueta com o preço. É redistribuir as ruas no mapa mental da cidade. É revê-las, recaminhá-las e encontrar lugares que não estão mais lá. Voltar é descobrir que seus amigos ainda o amam, mas ainda assim se atrasam, e verificar na prática da espera que se o Google Maps indica um trajeto de uma hora e meia, é porque não conhece a destreza veloz dos motoristas de BH. Voltar é revisitar a Lagoa como se fosse o mar, e olhar do alto da Contorno a avenida Afonso Pena como quem admira a Champs-Elysées. Porque voltar é um exercício lento e doloroso de ressignificação – do espaço, de si e do sonho. (17 de fevereiro de 2014