segunda-feira, 14 de junho de 2010

Z

Um amigo, fã de Rage against the machine e “O dia em que a Terra parou”, tinha duas frases inseparáveis. A primeira: torça pelo melhor, mas espere sempre o pior. A segunda: tenha sempre um plano de fuga em mente. Eu era adolescente e não internalizava esses alertas, entretida que estava entre todas as trocentas possibilidades dos meus anos vindouros, mas jamais as esqueci. Meia década depois, um outro amigo, compositor contemporâneo, afeito a filosofias e ao horóscopo chinês, estranhou quando eu disse que, ao abrir os olhos pela manhã, não listava a quantidade de desastres que poderiam me acometer naquele dia. “Se eu fizer isso, eu não levanto da cama!”, respondi, tanto quanto fortalecida por uma certa crença no positivo.
Acontece que, com o tempo, a gente aprende sim a tentar antecipar o pior. Aprende a não divulgar esperanças, só certezas; a respeitar a natureza dos segredos, que é a de serem secretos; a aceitar que as coisas ruins podem nos acometer, embora escovemos os dentes após as refeições e cortemos os cabelos na lua certa.
Porém, na semana passada, eu não resisti: divulguei neste blog um show que ainda iria acontecer, uma viagem que eu ainda faria... e, pior, prometi contar os detalhes depois. Quase morri de pavor, em seguida. Lei de Murphy, lei de Murphy, eu pensava, para tudo. Foram dias de intensa felicidade, mesclados a lapsos de temor: eu achava que sofreria um acidente, um assalto, que a reserva do hotel teria sido sinistramente cancelada, que nos atrasaríamos para o show, que nossos ingressos seriam considerados falsos, que a polícia apareceria e fecharia a casa de espetáculos (como, você sabe, já aconteceu antes), que os músicos teriam algum colapso nervoso e não subiriam ao palco... enfim. E, pasme: foi tudo perfeito. É raríssimo poder empregar essa palavra sem soar um entusiasta sem causa, mas não posso definir de outra forma a viagem a São Paulo, os passeios pelos museus, as aquisições fantásticas na Galeria do Rock, o show da Anneke e do Danny Cavanagh, a palheta dele que conseguimos, como souvenir... e, óbvio, os segundos em que conseguimos trocar “dois dedos de prosa” com nossos ídolos (ah, aquele sotaque inglês!..) e tirar algumas belas fotos ao lado deles. Claro: voltar para o hotel foi outro suplício. Cheguei a dizer que, naquela noite, poderiam levar a minha roupa, mas não levariam aquela câmera. Porém, nenhum meliante se aproximou, nem houve qualquer acidente na estrada... nem o Corinthians perdeu aquele final de semana (arrancou um empate aos quarenta e sete do segundo tempo!). E as fotos foram salvas no computador, enviadas por e-mail (é sempre bom garantir), e algumas enfeitam o porta-retratos da sala. É, de vez em quando – torcendo pelo melhor e esperando o pior - a gente consegue ser perfeitamente feliz.

(14/06/2010)

5 comentários:

  1. Isso Angélica, continue pensando positivo!

    ResponderExcluir
  2. Nada melhor que pensamento melancólico.
    O pior é que comigo acontece mesmo. Semana passada eu estava preservando minhas mãos para o Krav Magá de terça-feira, um pouco depois de acordar, bati o polegar no corrimão, entrando lascas dele em minha unha, infeccionando.
    Tudo bem, normal.
    Por que fui dizer isto? Na aula de educação física(no mesmo dia), brincávamos de pique-esconde, e após correr 200m, torci o pé esquerdo, fazendo-o inchar na hora.
    Maldito seja o pensamento negativo.

    P.S.: Não sei se você lembra, mas, terça-feira, te vi descendo a Carandaí no sentido dos carros, no MEIO da rua. Você tinha risco de ser atropelada pelo pai de um de seus mais odiados alunos.

    ResponderExcluir
  3. Esse sentimento de bem-aventurança é o que faz a gente seguir em frente. Que ele dure por muito tempo ainda!

    ResponderExcluir
  4. Ando contaminado por metáforas basquetebolísticas, portanto não poderia deixar de me ocorrer uma ao ler seu texto.

    No basquete, você sempre tem um número x de jogadas, que utiliza de acordo com a qualidade e a característica de seus jogadores. Bola no garrafão para o pivô, penetrações velozes dos alas, arremessos de longa distância dos armadores. E, antes do jogo, você torce para tudo fluir, para o pivô ganhar a luta debaixo da tabela, o ala se desvencilhar da marcação e ainda cavar uma falta, o armador aproveitar os corta-luzes e converter os tiros. Mas, na hora do jogo, tem o outro time, que quer vencer tanto quanto você. E, de repente, o seu astro comete três faltas em cinco minutos, e você tem que deixá-lo esquentando banco. O seu arremessador mais certeiro está recebendo marcação dupla, devido à ausência da ameaça representada pela estrela pendurada. Mas não é que você então percebe que tudo isso abriu espaço para o seu pivô! Embora não fosse a primeira opção, ele dá conta do recado e vai, ele mesmo, carregando o astro adversário de faltas. Na base do improviso, você se vira.

    Nem sempre temos recursos para compensar algo que dá errado. Mas mesmo assim eu acrescentaria: "torça pelo melhor, mas espere o pior" - e tenha sempre um plano B. Mesmo que o plano B seja apenas uma aspiração - ou uma lembrança.

    ResponderExcluir
  5. Ah! E quero ver essas fotos na minha caixa de entrada, viu? hehe

    ResponderExcluir