segunda-feira, 2 de maio de 2011

Marido de Aluguel

Poucas décadas atrás, com a liberação sexual, a valorização da mulher no mercado de trabalho e a crise da moral e dos bons costumes, veio à tona uma espécie até então encoberta pelos grupos sociais mais ortodoxos: as mães solteiras. No princípio, eram rechaçadas, provocavam a vergonha da família e vaticinavam a impossibilidade de casamento a todas as fêmeas de mesmo sobrenome. Entretanto, com o gigantesco aumento de incidência desses casos, as mães solteiras passaram a ser aceitas nas reuniões, nas igrejas, nos almoços de domingo. Com isso, algumas foram sofrendo mutações que deram origem a espécies similares, como as divorciadas convictas e as mães de proveta. Embora alguns detalhes as diferenciem – como o modo de concepção da prole e o nível de convicção quanto à ausência de um macho – todas têm em comum o dever de:
1) criar e educar os filhos, tornando-os cidadãos honestos e bem empregados no futuro;
2) atualizar-se constantemente – lendo jornais, revistas, bestsellers, participando de workshops, especializações e cursos de idioma – a fim de não perder o posto arduamente conquistado no trabalho;
3) cuidar da casa, o que pode ser feito com as próprias mãos, ou – caso o dinheiro sobre para pagar todos os encargos sociais – com a contratação de uma empregada;
4) cuidar de si mesmas, o que inclui frequentar a academia, evitar frituras, álcool e sobremesas, fazer os exames preventivos anualmente, lavar o rosto com sabonete neutro e esfoliante, passar o protetor solar, usar óculos escuros, vestir-se bem (inclusive quanto aos sapatos e à lingerie), hidratar o cabelo e aparar as pontas mensalmente, fazer as unhas semanalmente etc.
Graças a essas conquistas, pelas quais lutou-se tanto no passado, as mulheres são agora seres humanos completos, não mais objetos sexuais, escravas exploradas por seus maridos, ou nulidades intelectuais. Ótimo. Acontece que, apesar das maravilhas dessa independência toda, às vezes faz falta um indivíduo do sexo oposto – se é que você me entende. Aqueles dias em que a mulher não consegue se virar sozinha, e precisa de alguém que troque a lâmpada, pendure o varal na área de serviços, coloque aquele quadro na parede, conserte a torneira do banheiro, lave a caixa d´água. Para resolver tais problemas, surgiu aquilo que começa a abalar a estrutura das grandes cidades: as agências de Maridos de Aluguel, onde se contratam, como o próprio nome já diz, maridos.
Tudo acontece no já conhecido esquema de entrega em domicílio – vulgo delivery: a mulher telefona, explica o problema a ser resolvido, quando gostaria de receber a visita do tal Marido de Aluguel e, na hora indicada, lá está ele, com a chave de fenda em riste, pronto para satisfazer todos os seus desejos domésticos. Bem, mais ou menos. Em se tratando de um marido, ele vai atrasar uma horinha e meia, à qual culpará o trânsito, a hora-extra, o patrão. A mulher vai fingir que não sente o cheiro da cerveja-com-os-amigos quando ele lhe der um beijo no rosto e disser “Oi, querida.” Depois, ele se lembra a que veio e pergunta, com um sorriso malicioso: “Foi daqui que pediram um Marido de Aluguel?” e, ao que a mulher consente, ele rasga violentamente a camisa, expondo seu peitoral bem definido, e a atira no sofá, agora sim pronto para satisfazer todos os seus desejos. Bem, a parte de tirar a camisa pode até acontecer, mas, visto se tratar de um marido tradicional, quem vai se atirar no sofá é ele, acompanhado de sua barriga redonda de chope e do seu adorável controle remoto.
Após trocar de canal indefinidas vezes, por insustentáveis longos minutos, ele acaba se decidindo por uma partida de futebol da série C do Campeonato Paulista. A essa altura, está só de cuecas; meias, sapatos e calças estão espalhados pela sala, esperando silenciosamente serem apanhados pela mulher. Mas ela está ocupada preparando o jantar e tirando a cerveja do congelador para o Marido. Então, ao entregar a latinha para ele no conforto de seu sofá, a mulher aproveita e menciona o problema da torneira do banheiro e do varal da área de serviços. Ele diz, sem se virar, que vai resolver o problema já, já, e grita um palavrão para o centroavante que perde um “gol feito” do outro lado da TV.
É o momento crucial. Ela tem duas opções. Na primeira, decide dar credibilidade à agência de Maridos de Aluguel, e insiste em contratar o mesmo funcionário para, durante dias, talvez semanas ou meses, frequentar o seu sofá, até que, finalmente, resolva realizar as tarefas que lhe foram inicialmente designadas. Ou, na segunda opção, ela enxota o Marido, com a elegância das mulheres independentes, e, no dia seguinte, contrata os serviços do concorrente, os Amantes de Aluguel – apostando, é claro, na verossimilhança das nomenclaturas em relação a suas funções, em nossa sociedade aprazivelmente moderna.
(22/12/2007)

Um comentário:

  1. Ainda bem que nasci pivete andrógeno e nunca vou precisar gastar meu dinheiro com serviços desse naipe. kkkk.
    Para que servem os homens?
    Outro dia fui a uma churrascaria e pedi coração de galinha. O garçom me disse que era coração de frango. Então eu disse: "argumente!" Ele argumentou, e muito bem: disse que as galinhas não podem ser mortas pra nos ceder seu coraçãozinho, porque elas precisam botar ovos... Agora, os frangos, como não servem pra mais nada....
    Caimos na gargalhada e fui obrigada a concordar.
    rsrsrs

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