Em seus “Diários de Viagem”, o Camus descreve sua visita ao Brasil – onde era “tão conhecido quanto Proust” – e a noite em que fora levado a um terreno de macumba, que o impressionara consideravelmente. Desde que li esse livro, na minha adolescência, despertou-se em mim a curiosidade por viver uma experiência semelhante. E isso aumentou depois que assisti a “Coração Satânico”, com o Michey Rourke, nos tempos em que ele ainda era galã. E eis que ontem, um sábado à noite, a possibilidade se me apresenta. Ou quase. Fui, com mais três mulheres, a uma apresentação de candombe, no alto da Serra do Cipó. Dirigimos por quase duas horas, jogamos nossas delicadas sandálias na poeira e na escuridão... mas eu achava que valia à pena, pois, finalmente, veria um pai-de-santo e participaria de um ritual que manifestasse o tão conhecido sincretismo brasileiro. Eu estava ansiosa até mesmo para sentir medo. Tentava afastar-me de qualquer etnocentrismo e combinava comigo mesma não julgar o que visse naquela noite que, eu pensava, seria simplesmente inesquecível, como são para mim certas palavras do Camus. Mas, não. Era só o candombe, mesmo. O que significa muita coisa, na verdade: essa apresentação, em específico, naquele vilarejo no meio do nada, acontece apenas uma vez por ano, e o ritmo é de fato muito bonito, e é bonito estar ali, entre os tambores. Os músicos tocam por cerca de doze horas, praticamente ininterruptas, e as pessoas vêm de diversas localidades só para vê-los. Havia ontem um par de ônibus da USP – provavelmente de antropólogos – só para essa apresentação. Além disso, havia os nativos, que abriam suas casas a desconhecidos, oferecendo-lhes bolo de fubá e biscoitos. Havia crianças por toda a parte, que inclusive cantavam junto aos tambores, e suas avós e avôs que dançavam como se fossem netos. E, claro, onde há muita gente, há barracas que vendem cervejas e pastéis, há câmeras de alta resolução e cidadãos mal intencionados, que acham que o mundo é uma grande micareta. Foi uma noite agradável, de lua muito clara e clima doce de quase primavera. Mas ficou longe das páginas do livro que li.
(11 de setembro de 2011.)
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Há muito não sonho lendo Camus... Quanta coisa linda a gente vai deixando pra trás...
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