segunda-feira, 17 de maio de 2010

Nada é mais triste do que um corintiano triste – ou não

Ninguém entendeu por que eu fui parar no meio da torcida do São Paulo, na última quarta-feira, no Mineirão. “Fazer parte de um grupo vencedor”, eu respondi, meio brincando, meio falando sério. A verdade é que foi divertido estar ali, perto da bateria, ajudando a estender o bandeirão que a gente vê na TV e acha o máximo, olhando pro campo dali de baixo, naquele espaço esquisito reservado aos torcedores visitantes. E, de fato, ter decorado, na pré-adolescência, todos os hinos dos grandes clubes (com exceção do Palmeiras, a que me recusei) ajuda a me camuflar entre as principais torcidas. Não foi a primeira nem terá sido a última vez. Mas, na realidade, a minha presença ali se justifica pelo fato de ser o meu irmão um são-paulino. Ele era uma criança ainda, devia ter uns quatro anos, quando, vendo o Jornal Nacional, pediu ao meu pai que programasse o despertador para que ele assistisse à final do Mundial, que aconteceria de madrugada, no Japão. Na manhã seguinte, ele anunciou: “eu sou são-paulino”. Morar no sul de Minas, onde ninguém se sente pressionado entre a bipolaridade Cruzeiro X Galo, a TV influencia muito mais do que a certidão de nascimento, e ainda por cima integrar uma família em que ninguém gostava de futebol, tinha dessas vantagens: a gente podia escolher o time que quisesse. Eu demorei ainda uns anos a me decidir pelo meu – e é uma longa história o porquê de ter sido justamente o Corinthians – mas, confesso, vez por outra me pergunto por que não fui escolher uma equipe que trouxesse menos sofrimento e piada pronta. Porque havia essa desvantagem também: não tínhamos quem nos prevenisse dos apelidos maldosos, que se separam entre alcunhas homofóbicas ou as relacionadas ao preconceito social (ou são “bibas” ou marginais os torcedores de qualquer time do país, segundo a teoria), ou nos alertasse sobre o quanto é difícil gostar de verdade de uma coisa tão abstrata quanto um clube de futebol a ponto de ficar perplexo diante de uma derrota – o que é, estatisticamente, uma coisa tão óbvia. Depois do jogo, e do Mineirão calado, descer a Av. Abrahão Caram, com aquele bando de cruzeirense desanimado em volta, foi quase um “dejá vu” em relação à semana anterior e a eliminação do Timão da Libertadores. Mas foi, também, uma experiência redentora: porque é impressionante como tudo, no fundo, é tão parecido: os hinos com seus “salves” e epítetos sem sentido, os gritos de guerra com as declarações de amor clichê, os insultos, as paródias, os salários milionários a jogadores de qualidade duvidosa e, claro, o torcedor... que, depois do jogo, esperava para tomar a lotação para algum bairro distante, à meia-noite de uma quarta-feira, para dar o maior duro no dia seguinte e ganhar um salário e meio no fim do mês. Ou que ia de carro ou a pé ou... tanto faz. Se olhados de perto, todos são, na realidade, muito parecidos; e, na aridez da busca do pão nosso de cada dia, o circo do estádio não pode durar muito tempo.


(17 de maio de 2010.)

3 comentários:

  1. Haha. Seguiu meu conselho de arrumar outro time,
    pena que esse ainda não é um dos melhores. Porém, depois da escalação do nosso querido Dunga, qualquer time tá bom

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  2. Pegando um gancho: esse machismo e homofobia no futebol me incomodam demais. Na última semana, a foto do Ibrahimovic e do Piqué juntos (ambos do Barcelona) rodou o mundo e nos mostrou o quanto o ser humano consegue ser cruel com certas coisas que ele não consegue entender... e olha que a foto não prova nada. O complicado é que esse tipo de preconceito é uma coisa de cultura, o que quer dizer que a mudança, se ela ocorrer, será bastante lenta. Mas a gente tem de parar com isso. Homossexualidade não é demérito e não deveria ser xingamento. Mas parece que só no meu mundo ideal as pessoas entenderiam isso.

    E o futebol, que é um esporte de massa, pelo menos no Brasil, ainda com preconceitos sociais, é uma coisa que não consigo entender.

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  3. Esse negócio de marginalidade foi uma indireta para a nossa turma?
    É verdade que você, Amâncio, uma pessoa tão culta sabe o hino dos grandes clubes?
    Qual que é a dessa variedade de times em sua família?
    Perguntas que não calam...
    Muito bom o texto!

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