A gente bem que tentou criar o menino, como o filho que não tivemos e que, juntos, jamais teremos – meu irmão e eu. Com pretensões didáticas, em cada visita à terra natal, nós o ensinávamos a jogar damas, xadrez e a usar desodorante. Chegamos mesmo, ao notar suas tendências flamenguistas, a chamá-lo para uma conversa séria, em que eu disse: “Você pode escolher entre o time que quiser, qualquer um... entre São Paulo e Corinthians.” Ele nos fitou, indeciso, e (eu sei, tenho mais cara de brava) acabou respondendo: “Corinthians.” “Então eu vou sustentar o seu vício.” E prometi uma camiseta que ainda não comprei, visto que não há vício nenhum ali além do vídeo game. E, quando dissemos, empolgados, que em breve teria início a Copa do Mundo, e que haveria futebol o tempo todo, por um mês de indizível felicidade, ele ficou desconcertado, querendo saber se o SBT continuaria exibindo a sua série favorita, “Supernatural”, a que ele assistia com a cachorrinha, a Sasha, com o medo que tinha do excitante sobrenatural. Há uma porção de narrativas sobre o Juninho, um arquivo gigantesco de fotos e uma sequência de vídeos (porque, todos os anos, nós o entrevistamos, para acompanharmos a mudança de seu ponto de vista sobre o mundo com o passar do tempo), mas a melhor história talvez seja a das contas matemáticas. Quando estava prestes a começar a 1ª série, decidimos ocupar o tempo de suas visitas frequentes à nossa casa ensinando-lhe as quatro operações básicas. E o menino, que sofria de déficit crônico de autoestima, passou a se orgulhar de si mesmo por conseguir fazer “contas de cabeça”. E com toda a razão, porque ele era bom nisso. Mas o que o incentivava era o que vinha junto com os números... Sabendo das preferências alimentares do garoto, a gente dizia: “Você tem vinte salgadinhos...” E ele, ansioso, perguntava: “Qual salgadinho?” “Coxinha. Aí ganha mais quinze...” Ele emitia uma série de gulosas interjeições, e respondia: “Trinta e cinco! Trinta e cinco coxinhas só pra mim!?” Acertava todas as adições, multiplicações, e, num tom mais melancólico, também as subtrações e divisões. Dias atrás, ele me falou que, agora com dez anos, é um dos melhores alunos da sala, e que isso é por causa daquele verão que passamos juntos, fazendo contas de cabeça. E, o melhor, quando me assistia ensinando as tais operações para o seu primo mais novo (só com algarismos, sem acréscimos alimentícios), ele, notando a dificuldade do menino, aconselhou: “Faz as contas com pão de queijo, Gabriel!” Ironia: da matemática, o que ele mais gostava era, no fundo, o sonho, o abstrato, o literário.
(30/10/10)
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Estou te falando, Amâncio! Você está com uma enorme vontade de se casar para ter alguém a quem impor o corinthianismo. Comecei a perceber essa tendência quando você foi de noiva pra escola. Agora quer um filhinho...
ResponderExcluirAcho muito legal essas histórias com o Juninho... :D
ResponderExcluirNossa! Cada vez que venho te ler sou recebido por uma surpresa bacana. Primeiro foi o texto do porquinho (a sua metáfora de que palmeirense bom é palmeirense à pururuca).
ResponderExcluirAchei a história do Juninho muito bacana, mas o que me ganhou mesmo foi a conclusão, a reflexão na última linha do texto.