domingo, 29 de abril de 2012

Light metal

Nascera pobre, feio e gago, em uma cidade pequena, onde as pessoas se veem de mais. Cedo começou a ouvir rock. Com inglês questionável, listava bandas, gêneros, discos, títulos, genealogias. Como não lhe favorecesse a genética, não pôde, como gostaria, deixar o cabelo crescer com a leveza giratória de seus guitarristas favoritos. Sem aptidões musicais, não conseguiu tampouco tocar um instrumento e começar uma banda cover de qualquer coisa. Assim, embora estivesse sempre entre os cabeludos, os belos e os talentosos, era uma gozação ambulante, um admirável pobre coitado. O tempo, porém, passa. E, em seu trajeto, envelhece a muitos, os desloca, tira-lhes qualidades e defeitos. Ainda que os dele continuassem os mesmos, algo mudara definitivamente tudo: a geração. Ele era agora o entendedor veterano do município. Os jovens roqueiros, com suas velhas camisetas pretas, seguiam-no por toda a parte, pediam-lhe sugestões musicais, buscavam nele influências, mostravam-lhe acordes, queriam sua opinião sobre os solos. Ele agora organizava as excursões para os festivais. E, pasme, conseguira até mesmo uma namorada. Mas nada fazia-lhe tão grato à passagem do tempo quanto essa nova aquisição da tecnologia estética: obra dos deuses do metal, viera ao mundo ela, a magnânima, escova progressiva sem formol. (29 de abril de 2012)

3 comentários:

  1. Muito interessante essa perspectiva de que envelhecer pode, na verdade, ser bom. A nossa cultura ocidental muito se beneficiaria se começasse a encarar cada idade com suas benesses e suas dificuldades próprias, sem essa inútil ojeriza à passagem do tempo.

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  2. Essa descrição me lembra alguém... rsrsrs

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