quarta-feira, 22 de agosto de 2012
Este não é um texto de aniversário
Não sei dizer com exatidão qual foi o melhor dia de aniversário que já tive até hoje. Lembro-me das tantas festas organizadas pelos meus alunos eternamente queridos, da presença dos amigos, do bolo feito pela minha Madrinha, dos cafés da manhã caprichados, preparados pelos meus pais. Lembro-me de um dia, muito especial, em que eles me deram um coelho, que veio a se chamar Beco, em homenagem ao Ayrton Senna. Era uma tentativa de calar o meu infinito desejo de ter um cachorro. Eu chegava do colégio ansiosa para pegar o Beco no colo, acariciá-lo, depois ficar olhando ele correr e pular pelo quintal. É uma pena, porém, que mais tarde tenhamos descoberto que o Beco era Beca e, adulta, no cio, sem parceiro, ela tenha entrado em colapso e passado de um animal de estimação fofinho e delicado a uma carnívora de olhos vermelhos, devoradora de pássaros canoros. Não preciso fazer muito esforço, no entanto, para definir qual foi o meu pior dia de aniversário. Não foi há muito tempo e ainda me recordo com clareza do sofrimento solitário daquela manhã e depois das palavras duras que ecoaram por quase todo aquele domingo em que eu deveria apenas ter sido mimada e cuidada, como alguém que faz aniversário. O que me salvou foi ter me deparado, na volta para casa, com uma folha de papel A4 dobrada, onde se lia: “Não se iluda: isso não é um envelope com dinheiro. Tampouco é um envelope, by the way...” E, ao desdobrá-la, encontrei, reveladas, uma dezena de fotos que eu havia tirado, no meu hábito de fotografar o céu. Fotos de nuvens se dissipando depois da chuva, de anoiteceres sombrios, de madrugadas coloridas, de tempestades, de urubus sobre o azul. E, por trás delas, um poema: “Até num dia desolado/Em que mesmo os passarinhos estão tristes/Encontra-se o consolo na janela sem cortina/Com o céu e sua irrepetição de tons/Protegendo-nos da falta de sentido de todo/o resto.” Era o presente do meu irmão, tão particular, tão carinhoso, tão. Meu irmão é, sobretudo, o meu presente. O meu melhor amigo, cuja inteligência, a ironia e a poeticidade me surpreendem a cada dia. Escreveria uma enciclopédia com todas as nossas histórias, e lamento todos os instantes em que errei com ele, mais do que aqueles em que errei comigo mesma. Ele é uma dessas raras pessoas que sabem o que de verdade tem valor nessa vida, o que merece nosso esforço, nossa atenção, nosso anseio. Amanhã, envelheço. Mas, em boa companhia, o tempo pesa menos. E nosso olhar vai aprendendo a ser, como diria outro Fernando – o Pessoa –, cada vez mais, nítido como um girassol.
(22 de agosto de 2012).
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Pô, Gelly, aniversário é dia dos outros nos homenagearem, não o contrário. E, bom, sei que também tenho dias de "presente de grego", um cavalo de madeira cheio de inconvenientes armados por dentro...
ResponderExcluirE como é seu aniversário, que o exemplo de dois de seus colegas de natalício te abençoe: a Paula Toller, que é imune ao tempo; e o saudoso Gene Kelly, que ficou famoso por um personagem que dançava e cantava feliz na chuva - um belo exemplo de libertação e carpe diem.
Beijos,
Que belo texto... que bela amizade entre irmãos.
ResponderExcluirQuanto a mim, eu poderia dizer que o meu melhor "seu aniversário" foi um em que eu te liguei e você disse, "que bom que você ligou". Não sei se você se lembra.
E eu acho que, a cada momento em que respiramos dizendo, que bom estar vivo, por causa ou apesar de tudo, a gente rejuvenesce, e por isso, dá para morrer mais jovem do que quando tínhamos menos idade...