segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

“Ratos, homens e folhas de relva”

Ainda me lembro de meu primeiro poema de Walt Whitman... entregue na praça, numa noite bonita de primavera, copiado com letra caprichada no verso de uma xérox da foto do poeta. Tornou-se um vício por muito tempo. Por muito tempo, aliás, namorei, da maneira mais terna, a literatura norte-americana, com seus beatniks, lagos e campos de centeio. Depois, porém, escolhi outras trilhas. Mas sempre pensei que, se me garantissem que os EUA têm ainda um quinto da poesia atribuída a eles nos poemas de Whitman, eu me mudaria para lá imediatamente.
Pois bem. Semanas atrás, falaram-me de John Steinbeck. E falaram de novo. E uma terceira vez, então numa livraria, quando percebi que aquilo só podia ser um sinal. O autor, que eu desafortunadamente não conhecia, integra o cânone literário norte-americano, foi Nobel em 1962, e escreveu obras como “A Leste do Éden” e “As vinhas da ira”, que espero ler em breve. Comecei, porém, por “Ratos e homens”, de 1937. Um livro de pouco mais de cem páginas, publicação da L&PM Pocket. Nada de mais, a princípio. Levei cerca de uma semana para concluí-lo, em minha tradicional leitura demorada, de saboreios e vésperas de sono. E, Deus, há muito tempo não chorava como ontem. Não que o choro sirva como medida para a qualidade de um livro, mas este, em particular, merecia... por ser simplesmente magnífico. As lágrimas representavam, mais do que o lamento pela triste trajetória dos personagens, o encanto por ter sido enredada em uma trama tão extraordinariamente construída, com tanta simplicidade, mas com uma maestria que só se revela no final, quando começamos a compreender os detalhes borrifados com discrição ao longo história. Claro, há, em toda adoração, algo de duvidoso. A grandiosidade do livro para mim relaciona-se a outras associações – como minha doce experiência com a literatura norte-americana ou a semelhança dos protagonistas com dois personagens comoventes de Akira Kurosawa, no filme “Dodes´ka-den” (1970), a que assisti recentemente. Mas há, sem dúvida, algo de fascinante em “Ratos e Homens”, de um fascínio tão puro, que só posso querer agora deitar-me sobre as “folhas de relva” e sonhar com o Mississipi.

(13/12/2010)

Um comentário:

  1. O Carpeaux, um dos meus críticos favoritos, tinha um talento especial para descrever o estilo dos escritores sobre os quais, com conhecimento enciclopédico, falava. Sobre o Whitman, ele diz o seguinte - e acho difícil alguém acertar mais em cheio:

    "Já antes muitos tinham cantado a democracia, as massas, o progresso infinito da humanidade, ninguém com força maior do que Victor Hugo, do qual Whitman é a edição americana. Mas ninguém em versos assim, versos brancos, de extensão enorme, quase ilimitada, enchendo a página inteira de linhas que parecem prosa aos olhos e se revelam poesia quando pronunciadas ou, ainda melhor, cantadas em voz alta, assim como o texto bíblico, que é prosa quando lido e poesia quando cantado no serviço religioso. Os "versos" de Whitman são imensos versículos bíblicos (...)".

    Perfeito.

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