Há coisas que só acontecem comigo. Um amigo disse que eu nasci errada. Maldade. Talvez “gauche”; errada, não. Mas isso que vou narrar aconteceu há muito tempo, quando eu tinha 13 anos e tendências suicidas – como muitos que, àquela época, sentiam ainda o peso da morte recente do vocalista do Nirvana. Eu estudava em um colégio público, pela manhã; e me intrigava pensar que “a minha carteira” seria, à tarde, ocupada por outra pessoa e, à noite, ainda por uma terceira. Foi então que, um dia, apareceram aquelas frases melancólicas rabiscadas ali, na tal carteira, a lápis. Depois, vieram os desenhos tétricos. Fiquei empolgada. Comecei a interagir com o indivíduo, fosse quem fosse, a comentar as frases, desenhar também minhas caveiras com serpentes e espadas – sim, bem ao estilo tatuagem de presidiário. A pessoa, que compartilhava da minha insanidade, gostou da ideia, e começamos a escrever ali bilhetes diários, a discutir bandas de rock – ele gostava de Pink Floyd – e a compartilhar teorias pessimistas. Durou pouco tempo aquilo, mas como era excitante acordar e saber que, no colégio, além das aulas, haveria a carteira e o que ela tinha a me dizer. Aconteceu que o indivíduo – que vou chamar aqui de A., no intuito de respeitar privacidades – passou a estudar pela manhã, na mesma sala que eu. Resultado: nos tornamos amigos. Não sei dizer quando nem como nos apresentamos. Sei que foi assim, simples, natural. E quantas aulas nós passamos conversando. (Sim, porque, em uma escola pública no interior, passar a aula batendo papo é absolutamente inofensivo para o seu desempenho escolar.) Eu puxava uma cadeira e ia me sentar ao lado dele, no fundo da sala. E nós falávamos de rock, literatura, filosofia, nossas famílias e relacionamentos e amigos em comum. Tínhamos, diga-se de passagem, o mesmo guru intelectual, que nos emprestou nossos primeiros romances existencialistas e gravou para nós as canções dos Smiths e do Velvet Underground. Mas A. gostava era de Prodigy, Radiohead e R.E.M. E de camisas xadrez, mesmo sem pensar no grunge. Foi assim por anos: essa amizade cheia de afinidades e boas discussões, em que eu ficava ali admirando a crueza do olhar dele para as coisas e o jeito dele de dizer “Sartrê”. Só isso, mais nada. Depois nós crescemos – ele, mais do que eu. E nos tornamos pessoas diferentes das que éramos. Então, dias atrás, ele colocou no MSN: “Nada mais será tão simples.” E eu pensei num monte de coisas, e nessa amizade também. E, durante esta semana, suspirei muitas vezes ouvindo o eco desse vaticínio: “nada mais será tão simples.”
(16 de junho de 2011.)
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As coisas já foram - algum dia - simples?
ResponderExcluirFico impressionado em saber que numa cidade do interior possam existir duas pessoas com o mesmo gosto musical peculiar como é o seu, Amâncio. E ainda mais chocado tentando digerir a informação de que você já foi um pré-adolescente como eu...
ResponderExcluirComo saudosista declarado, sei bem o peso que essa frase faz no peito. Mas como crítico (chato) não deixo de me perguntar se algum dias as coisas foram, de fato, simples. Acho que é a saudade que torna o passado simples: os beijos doces, as tardes belas, os medos poucos...
ResponderExcluirSe apaixonar aos treze e suspirar mais de dez anos depois é a prova mais concreta de que "nada mais será tão simples" como rabiscar pensamentos em carteiras de escola e começar a gostar sem abandonar a inocência, aquela mesma responsável por fazer das lembranças pequenas saudades, que ás vezes se desenrolam pela alma até esbarrar nas palavras e chegar num blog.
ResponderExcluirA gente pode conhecer pessoas nos lugares mais estranhos, carteiras por exemplo... vc conseguiu me superar!
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