Dez anos me separam do meu primeiro Roça n´Roll, quando dancei alucinada e inesquecivelmente ao som da então promissora Tuatha de Dannan. Naquela noite, choveu. Houve lama, vento gelado e microfones que davam choque. E houve também longas conversas num balanço de criança e o amanhecer mais bonito que já vi: com o voo ininterrupto de centenas de garças, brotando sabe-se lá de onde, em direção ao sol. Talvez por isso – mais pela poesia do que pelo amadorismo –, tenha criado coragem para retornar ao evento este ano, trazendo, a tiracolo, um amigo belo-horizontino que não gosta muito de metal, e meu irmão, tradicional companheiro de aventuras. Viajamos ao som de canções de poucas notas e muitas sutilezas; depois experimentamos os pontos turísticos de Três Corações, que se resumem a prazeres alimentícios com o nome de seus criadores – como “X-tudo do Valdir” e o “açaí do Igor” – e nos deslocamos até Varginha. Ou quase. Porque os shows aconteceram numa fazenda no meio do trajeto, com placas que não indicavam a direção, mas que surgiam apenas quando você já estava, por dedução, no caminho certo. No entanto, era já possível adivinhar o percurso, devido aos mata-burros, à poeira, ao céu estrelado e, à medida que nos aproximávamos, ao som pesado, claro. A primeira coisa em que a gente pensa quando chega, num inverno absolutamente gelado, a um lugar no meio do nada, cheio de metaleiros juvenis que passaram o dia inteiro bebendo e que agora estão capotando sobre a grama, é: o que é que estou fazendo aqui? A pergunta que vem em seguida seria o que pensam os pobres nativos ao assistirem àquele bizarro desfile de tachinhas e roupas pretas? De minha parte, porém, é rápido o período de transição entre a perplexidade e a euforia. Primeiro, porque começam a aparecer os velhos conhecidos, com seus sobretudos e cabelos compridos; segundo, porque as bandas de black metal são muito engraçadas, e não dá tempo de pensar em mais nada. Além disso, poucas queixas se podem fazer ao evento este ano, que se organizou bem ao formato de um SWU ou afins, com tendas variadas, dois palcos grandes – entres os quais, as atrações se revezavam – e a tentativa de conscientizar o público acerca da proteção do meio ambiente – a começar, por exemplo, pela esdrúxula marca de cerveja à venda, a Ecobier. E, dentre as grandes atrações, tocou o Genocídio, banda brasileira das antigas, com apenas um integrante da formação original. A Tuatha fez um show melancólico, ao estilo de quem “morreu e se esqueceu de deitar”, mas ainda cheio de fãs, de certa forma esperançosos... Foi empolgante a apresentação de André Matos, com canções de seu novo projeto, além de hits do Viper e do Angra (sim, ainda é emocionante cantar “Carry on”, mesmo que a letra nem faça mais tanto sentido). O grande momento da noite, pelo qual a maioria de nós estava lá, no entanto, foi o doom metal dos ingleses do Cathedral. Primeira e última apresentação no Brasil – não apenas porque o público, àquela hora da madrugada, era formado por um bando de zumbis –, mas também porque o grupo encerra sua carreira este ano, depois de uma dezena de excelentes discos de estúdio, com capas ao estilo de Hieronymus Bosch. A performance psicodélica, o som extremamente alto, a potência lenta da bateria... simplesmente perfeitas quando se espera que um show mude as coisas de lugar dentro d´a gente. Depois veio o som belíssimo da guitarra de Eduardo Ardanuy, do Dr. Sin. Mas aí nossos pés já estavam congelando, e a gente veio para a casa. O evento, que completou este ano sua 13ª edição, começa a entrar para a História dos festivais do rock na América Latina. E, cada vez menos artesanal, compensou a poeira e os poucos graus de temperatura no meio do nada.
(26 de junho de 2011)
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Como sempre, é prazeroso ler os seus textos, querida Gelly! Ainda mais quando o assunto é rock. :)
ResponderExcluirRock, estrada e boa companhia: acho que ainda não inventaram coisas melhores para se compartilhar.
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