terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Novembro, mês onze

I

No dia que a injustiça estendeu
sobre o meu desejo mais casto
seu arsenal de quarenta tentáculos,
coloquei em ordem todas as gavetas
dobrando de novo as camisas
doando as saias que não me servem mais
organizando por cores,
da ausência à profusão,
todos aqueles vestidos.

No dia seguinte,
quando acordei,
com a ressaca de um
afiado desapontamento,
puxei as gavetas
uma a uma
para sentir que o dia anterior
não havia sido perdido
nem os meses
nem a vida.
Haveria de haver,
afinal,
uma ordem
– mesmo que em desacordo.




II


Tudo o que quero
agora
nesse charco
de preguiçosa desesperança
é uma manhã para mim.

Uma manhã para,
enquanto o sol é bom,
rasgar papéis agora inúteis
tirar a poeira tagarela dos móveis
repensar o diálogo entre os livros
na estante de madeira.


Porque
à tarde
quando faz calor
eu me desanimo de tudo
despersonifico-me
e consigo pensar apenas
em jogar o meu corpo dentro d´água
no fundo, bem no fundo
depois dissolver
len-ta-men-te
sentindo os pedaços de mim se afastaram
cada vez para
mais longe
mais despedaçados
torcendo para que eles
nunca mais voltem
nunca mais voltem a ser
essa coisa só
que eu sou.

(29 de novembro de 2009)

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