segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Voadora

Era um barco no Mediterrâneo, permeando os calenques de Marseille, próximo ao Castelo de If (o do Conde de Montecristo). Uma tarde clara de agosto, a água salgada molhando o vestido na violência de certas ondas. Meus amigos estavam em pé, atentos, saboreando famintos o passeio. Eu não estava mareada, mas sentia o que tradicionalmente experimento depois de sete dias de litoral: “já deu!” – mesmo sendo as praias azuis da Côte d´Azur. Passei a prestar atenção, assim, nas pessoas ao meu redor. Foi quando escutei três pré-adolescentes que conversavam: Pré-adolescente 1: Por que ele te deu aquela voadora? (sim, era em Português, diria mais, em “Brasileiro”, com direito à palavra “voadora”, que eu pensava que nem se usava mais). P-a 2 (contrariado): Pra começar, nem foi uma voadora... O terceiro não falava, só sorria, divertido com o assunto. P-a 1 (desafiador): Ah, não foi, não!? O cara meteu os dois pés no seu peito... P-a 2 (científico): Que dois pés, véi? Isso nem existe... Nem dá pra fazer isso... P-a 1: Mas cê voou longe! Por que que ele fez aquilo? P-a 2 (ainda contrariado, esperando que mudassem de assunto): Nem foi por querer... P-a 1 (incrédulo): Ah, não? E como é que alguém mete os dois pés no peito do outro sem querer? P-a 3 (na torcida, provocativo): É... como? Houve uma pausa curta. E: P-a 2 (resoluto, encarando P-a 1): Olha, quem foi que levou a voadora? Fui eu ou você? P-a 1: Você!! P-a 2: Então, eu é que sei! A discussão terminou ali. Fiquei fascinada. Porque me lembrava exatamente as conversas que ouvia entre os meus colegas na época em que eu também era pré-adolescente, ou mesmo os comentários dos meus ex-alunos pouco tempo atrás. E adorei o menino fechar o assunto com esse argumento de que se utilizam muitos repórteres e pré-vestibulandos em dissertações. Quem pode ser mais especialista num determinado assunto do que quem viveu a situação? E o garoto, a seu modo, virou a mesa, mas paradoxalmente – afinal, não há orgulho algum em se levar uma voadora, ainda mais com os dois pés do oponente no seu peito. O resto da viagem ficou até mais divertido depois dessa pérola da pré-adolescência. (18 de novembro de 2013)

domingo, 3 de novembro de 2013

Diferentes tons de espetáculo

Sexta passada, fui a um show de rock como quem vai ao cinema: conferi o horário da sessão, tomei um banho, troquei de roupa, peguei o metrô, fiz fila, mostrei meu bilhete, comprei um “demi” (como quem compra um pacote de pipocas), troquei meia dúzia de palavras fiadas com uma moça na entrada, encontrei uma boa posição diante do palco, como se fosse de uma grande tela. Tocou a banda de abertura, uma espécie de sequência de trailers e publicidades, que retardam a chegada do filme. Então faz-se escuro, surgem os músicos, um a um, posicionando-se, e você sabe que o espetáculo irá começar. Eu me refiro ao show do Antimatter, grupo discidente do Anathema, que tocou no Divan du Monde, no último dia primeiro. O estranho foi que tudo continuou da mesma maneira, como um filme. O público não se movia, não cantava, não se manifestava. Em geral é assim por aqui e, em determinados momentos, isso é muito frustrante. É como se a plateia assistisse a uma orquestra e esperasse o fim da sinfonia para aplaudir. Eu era a única pessoa que movia os lábios acompanhando a letra das canções – porque, se cantasse em voz alta, certamente me pediriam silêncio. Até aí tudo bem, questões culturais, a gente entende. O problema foi que a banda retribuiu a gentileza e sequer olhou para o público. Tocaram como zumbis e, quando começavam a minha música favorita, ouviu-se um inacreditável “no, no, no, guys! Stop!” Era o toque de recolher para a entrada do grupo seguinte, “Swallow the sun”. Eles não discutiram. Desvencilharam-se de seus instrumentos, disseram um discreto “merci”, recolheram todas as palhetas (claro que eu, na primeira fila, ansiava tantalicamente por uma delas para compor minha coleção) e desapareceram. Fiz o mesmo. Do lado de fora, chovia; eu havia esquecido o celular em casa e não pude tirar sequer uma foto. Sem dúvida, o Antimatter, para mim, ficou com muita cara de anticlímax. *** Uma semana antes, porém, no Nouveau Casino, tive a honra de rever – pela quarta vez! – Anneke van Giersbergen, numa postura muito mais rock do que nas aparições mais recentes, tocando integralmente o último álbum, “Drive”. Os cabelos profundamente vermelhos, a voz ainda impecável, a jaqueta preta de couro, no entanto, não escondem o fato de que a moça está cada vez com mais ares de popstar. Não é uma crítica: ela deixou o The Gathering porque queria, justamente, fazer outro tipo de trabalho. As canções são deliciosas de dançar, os refrões têm aquele jeito saboroso de grudar na língua da gente, mas não vou negar: dá muita saudade do tempo de “Nightime birds” ou do “Mandylion”. Mas fazer o quê? Como entoam quase todas as músicas da nova fase da cantora, o jeito é “to live on”... Afinal, “we start today”... *** Today, graças ao namorado de uma amiga, que nos presenteou com duas entradas, fomos assistir à final do Paris Open de tênis. Eu só conheço do esporte o que aprendi com o vídeo game, mas foi uma experiência extraordinária estar no Palais Omnisport de Paris, em Bercy, assistindo a uma partida entre dois dos melhores tenistas do mundo, David Ferrer e Novak Djokovic. Percebo que o meu vício por futebol me impediu, por tantos anos, de enxergar a beleza na agilidade das raquetes. O que mais será que eu perdi? Vou prestar mais atenção aos outros esportes, nas Olimpíadas de 2016... (03 de novembro de 2013.)