domingo, 18 de dezembro de 2011

Praga

Me pergunto
que rua estará você atravessando
em que idioma canta o vento em seus ouvidos.
Quem dera eu fosse
uma página de Gustav Meyrink
para merecer suas carícias
e seus olhos
agora.

(17 de abril de 2011.)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Para o amigo Wanderson, com nossas lágrimas

O Atlético-MG deu a meu amigo Wanderson sua tristeza derradeira nesse final de semana. Isso porque, na madrugada de domingo para segunda, quando esperava o ônibus para ir ao trabalho, Wandão foi baleado com cinco tiros na cabeça e morreu imediatamente. Ao que tudo indica, os assassinos o teriam confundido com outra pessoa que, para eles, merecia morrer. Ele tinha 40 anos, uma esposa amorosa, uma filha por quem era simplesmente apaixonado, um emprego em que era um herói. Vinte anos atrás começara a trabalhar como faxineiro no Colégio, depois passara a vigia noturno e fora confirmando sua competência e sua honestidade até chegar à função de porteiro/disciplinário/braço-direito de todo mundo que dele precisasse ou quisesse por perto. Essa história ele contava orgulhoso quase todas as vezes em que saíamos em grupo para uma cerveja, um churrasco, uma companhia até o ponto de ônibus. Ele também gostava de narrar casos dos alunos e se lembrava do nome e das manias de todos eles e não maldizia ninguém nem se queixava nem. E todos o elogiávamos sempre: a paciência, a sabedoria, a prontidão, a alegria. Em meus quase seis anos de Colégio, não houve um dia sequer em que ele tenha sido desrespeitoso, comigo ou com qualquer pessoa que conheça, e era um conforto receber aquele abraço todas as manhãs, mesmo quando, às 6h40, com um dia inteiro de trabalho pela frente, o mundo parecia tão errado. Mal sabia eu que tudo estava, até então, muito certo, porque nós o tínhamos no mundo, para falar do Galo que ele tanto amava, do Corinthians, de que ele aprendeu a gostar por minha causa, para rir das “meninas” (como ele se referia aos cruzeirenses, com sua língua presa), para ensinar a tantos alunos a importância da bondade, dessa grandeza que não é o cargo que define, mas o ser. Por isso o velório, hoje, na Santa Casa, foi uma gigantesca reunião de pessoas de todas as classes, de todas as idades, de alunos e ex-alunos, colegas e ex-colegas, professores, coordenadores, diretores, familiares, vizinhos, amigos. Todos queriam prestar sua última homenagem, escrever-lhe um bilhete, admirar seu sorriso nos cartazes espalhados pelo recinto. Ninguém consegue sorrir agora, ainda que seja isso que, em breve, tenhamos que fazer, porque é isso que ele gostaria que fizéssemos, que seguíssemos em frente, que aceitássemos, como fazia ele, a vida em suas circunstâncias. Agora, porém, só há espaço para essa perplexidade, esse torpor de pesadelo, de simplesmente não acreditar nessa violência brutal, nesse julgamento de um ser humano que, por trás de uma arma, pensa que pode escolher quem é digno de viver ou não. Poucas pessoas viveram com tanta dignidade quanto meu amigo Wanwan. E o mundo fica muito, muito errado com a falta que ele nos faz aqui.

06 de dezembro de 11.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Amanhã é amanhã

Vou escrever sobre isso hoje, porque amanhã não quero dizer nada a respeito. O Corinthians joga neste domingo contra o Palmeiras, valendo o título de Campeão Brasileiro de 2011, nesse campeonato em que, diferentemente do ano anterior, não faltaram fortes emoções – como gostam de dizer os locutores. Basta lembrar a 37ª rodada, quando, aos 47 do segundo tempo, um gol do Vasco calou o grito de vitória da torcida paulistana. Ou o empate do Cruzeiro com o Ceará, que deu aos atleticanos a chance de secar por mais uma semana as marias-à-beira-do-abismo. Houve ainda a goleada do mesmo Atlético-MG sobre o Botafogo, antigo algoz – porque, sim, até o Botafogo tem o seu freguês –, e a bela virada corintiana, um domingo antes, com o gol do “Adriano Imperador”, que ficou tão feliz que até tirou a camisa, sem constranger-se pelos vários quilinhos a mais. (Qualquer semelhança com o passado recente da equipe de São Jorge não é mera coincidência). Mas amanhã é amanhã. E vale lembrar que jogamos contra o Porco, que nada fez em todo o campeonato, assim como em toda a década, mas que, justamente por isso, tem um motivo e tanto para se esforçar nessa partida e garantir ao menos um sorriso para o torcedor palmeirense. O Flamengo tem também suas razões, mas algo me leva a crer que não se empenhará tanto amanhã, como não faz desde a goleada sobre o Cruzeiro. Quanto ao Vasco, já seria impossível torcer por eles, porque me recuso a querer imaginar feliz uma massa carioca (vide posts anteriores); porém, verdade seja dita, eles souberam galgar posições nesse segundo turno e foi estranhamente bonito o gol que rendeu ao campeonato mais uma semana de fôlego. O Corinthians, porém, joga pelo empate; fez um primeiro turno impecável e, ainda que eu discorde de certas contratações marketeiras e de manobras políticas relativas à construção do Itaquerão e à confiança dedicada ao Ronaldo Empresário, merece, por mérito, ser campeão este ano. A defesa menos vazada, um ataque competente – com destaque, é claro, para Liedson –, um esquema tático eficiente, ainda que retranqueiro (quanto 1X0, meu Deus!) e nenhum lance gritantemente polêmico em campo, nada semelhante àquele do ano passado, contra o Cruzeiro, para que ninguém conteste essa possível vitória. Fora, é claro, a torcida, que é nosso mérito maior. Talvez por ser tão odiada, tão rechaçada, tão chacoteada, ela tenha se entrincheirado de tal maneira que não admite pactos com “torcidas amigas”. Porque a torcida corintiana só tem um time, só tem um nome, que é também adjetivo: fiel. E sobre ela não é preciso dizer mais nada. Amanhã é amanhã, e pode ser que a gente perca, e aí vou culpar meia dúzia de deuses gregos, para, no fim, admitir, talvez – porque sou corintiana, mas sou sensata – que deveríamos ter empatado menos, entregado menos gols a times facilmente defectíveis, jogado com mais raça semanas atrás. Sim, porque o campeonato se decide amanhã, mas foi construído ao longo de muitos meses, com a soma de tantos resultados, e é preciso entender que o conforto torpe do “se” que se volta ao passado não muda nada na prática. Mas pode ser que a gente ganhe. Aí, meu amigo, não tem sensatez, não tem lógica, não tem “se” ou “porque” ou “quase”... aí, nossa!, só vai ter o Corinthians.

03/12/2011.