sábado, 22 de outubro de 2016

O cabelo e a política

Não existe um dicionário de imagens, como já problematizou o diretor italiano Pier Paolo Pasolini. Segundo ele, essa é uma das dificuldades de se fazer cinema: os múltiplos sentidos que pode portar um só fotograma. Ainda assim, a sociedade parece estar de acordo em relação a certos sentidos atribuídos a determinadas imagens.

Hoje, mais do que nunca, a rapidez na transmissão de dados – pela televisão, a internet, os celulares e por redes sociais como o Snapshat – reforça dois clichês há muito disseminados em nosso cotidiano: o de que “uma imagem vale mais do que mil palavras” e a de “a primeira impressão é a que fica”. Tais máximas, evidentemente, vêm sendo levadas em conta pelos políticos, que já não saem de casa sem o seu personal stlylist a tiracolo. Essa intensa circulação de informações, em grande parte iconográficas, vai ao encontro de uma situação de crise, que está atada a um intenso descrédito político, em diferentes partes do mundo. Tomando-se como exemplo o caso do Brasil e o recente resultado do primeiro turno nas eleições municipais, vê-se destacar o estereótipo do homem bem-sucedido, de preferência, um self-made man, que hoje discursa para as multidões do alto de sua cobertura em Higienópolis, com piscina e heliporto, conquistando o eleitor comum pelo devaneio ingênuo de que este possa um dia se tornar como ele: em poucas letras, rico.

O político vencedor do primeiro turno das eleições de 2016 é a imagem da riqueza. Ela está expressa não apenas na italianidade de seu terno e gravata, mas naquilo que o acompanha até mesmo nas campanhas pelos subúrbios da cidade, quando ele finge ser um homem simples, que come pastel de queijo e toma garapa. A riqueza está nos seus cabelos. O que existe de visivelmente similar entre o atual presidente da República e candidatos como João Dória, em São Paulo, e Alexandre Kalil, em Belo Horizonte, é – além de seus interesses pessoais e partidários, é claro – o estilo de suas madeixas. Há, em todos eles, uma dose de calvície que exala “experiência de vida”, sendo, ao mesmo tempo, comedida, dessas que não deixa entrever a antipatia gerada pela careca de um José Serra, por exemplo. Concomitante, ao fundo, há uma cabeleira penteada para trás, domável, que traz à memória o inesquecível Chiquinho Scarpa, o playboy dos playboys. Até o cabelo das esposas dos estadistas se assemelha: loiro, é óbvio, a cor do ouro, a cor do sonho do homem comum, que vai às urnas por obrigação, com medo de se atrasar para o futebol ou a “Dança dos famosos”, no Faustão.

Bons eram os tempos pré-derrocada petista, em que havia um desejo tão maior de liberdade e igualdade que ele não podia se curvar à tesoura e à escova e escorria pelas faces, enchia as bochechas e o contorno da boca, virava barba e bigode. Cristo foi um dos primeiros grandes políticos da História. E jamais o representaram sem barba e sem a audácia de seus cabelos compridos.

(09 outubro 2016.)