sábado, 23 de fevereiro de 2013

A neve

Hoje está nevando. Quando meu irmão e eu éramos pequenos, nós dispúnhamos, como toda criança, de certas crenças fantasiosas, que eram mais, na verdade, esperanças fantásticas: nós rezávamos, esta é mesmo a palavra, para que um disco voador passasse perto de nossa casa e, quem sabe, com sorte, nos abduzisse. Fazíamos pedidos para nuvens de desenhos complexos, por trás dos quais, acreditávamos, escondiam-se seres mágicos e super-heróis da TV. E suplicávamos, insistentemente, a Deus que permitisse que nevasse em nossa cidade brasileira no sul do sudeste. Nunca nevou, é claro, nem um de nós foi levado para o espaço por um extraterrestre ou uma fada, mas um dos sonhos foi, em certo sentido, realizado. Foi preciso, no entanto, vir para longe para ver a neve: eu estava a caminho da Suíça, num ano em que, estranhamente, fazia relativo calor no inverno francês, quando vi aquela barreira branca no canto da pista. Gritei: “arrêtes! Arrêtes! C´est la neige!”, obrigando meu amigo que dirigia a parar imediatamente o carro para que eu descesse e enchesse a palma da mão daquela brancura gelada. Há uma foto para provar, e um sorriso que era quase uma gargalhada. Depois se seguiram aquelas montanhas completamente cobertas, onde os suíços esquiam e comem chocolate, enquanto o resto do mundo guerreia, como disse o Larry David. Agora, nesta quase noite de sábado, nós nos reencontramos e, pela janela, ela dança com essa delicadeza bonita, que faz parecer que nem é de oito graus negativos o frio que faz lá fora. Ficam faltando os OVNIS, as fadas e o meu irmão aqui. (23/02/2013)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Primeiros dias de uma tricordiana em Paris

Estar debaixo da Torre Eiffel e olhar para cima, como um menino levado que tenta descobrir o que há sob as saias de uma mulher. Entrar em uma rua qualquer à procura de um restaurante e dar de cara com o Arco do Triunfo. Perder-se, dobrar e desdobrar o mapa entre esquinas diversas, e tropeçar no Panthéon. Descobrir-se cercado pelos restos mortais de tantos imortais... Baudelaire, Sartre, Robespièrre, Victor Hugo... Encantar-se com as patissêries, com os chaussures, os murmúrios, tantas vezes incompreensíveis, dos franceses, em toda a sua suavidade. E ouvir, em seguida, inextricáveis sotaques, indecifráveis traços, convidativos aromas, tailandeses, chineses, turcos, paquistaneses. Abrir um vinho e outro e flanar pelo neon vermelho das soirées, os boulevares, os parques, os castelos, as bibliotecas, os museus. Saber que há, agora, em cartaz, duas peças de Jean-Paul Sartre, as comemorações do Ano Novo Chinês, o centenário de nascimento do amado Albert Camus. É absolutamente adorável errar por Paris, errar em Paris, trocar nomes de ruas, comprar toalha de papel no lugar de papel higiênico no supermarché. É doce o frio de poucos graus neste fevereiro em que o sol, embora brilhe, é desbotado pelo vento, gelado, que corta. Anos atrás, quando estive aqui, jurei para mim mesma que voltaria, que moraria, que recortaria para mim um espaço em Paris. Agora conto ao avesso este calendário, esperando que os próximos trezentos e sessenta e um dias deslizem com a elegância e a leveza do Rio Sena. (18/02/2013)