sexta-feira, 15 de março de 2013

Azul

Há um azul nos olhos europeus, que é simplesmente desconfortável. Ele me faz pensar a cor com tato e me ajuda a compreender a solidez dos olhos negros, castanhos e marrons, que nos encaram com franqueza e precisão. Ele distancia-se ainda do verde, seu matiz-irmão, ao qual estamos mais habituados, e que reserva ainda um traço, um delineamento, que o fazem menos ameaçador. Nesse azul é absolutamente diferente: eles têm olhos líquidos. Espelhos d´água, piscinas circulares, espessas gotas de oceano. Todas essas definições, nem tão originais, seriam válidas. É como encarar uma joia, sem saber se ela se dá conta de sua preciosidade ou de nossa existência. (15 de março de 2013)

domingo, 3 de março de 2013

Entre o Sigur Rós e as pulgas

O Sigur Rós foi uma das bandas mais presentes nos meus fones de ouvido nos últimos meses. Lembro-me bem da minha derradeira visita à UFMG, pensando, nostálgica, no quão rápido esses dez anos na universidade passaram, e suspirando, sonhadora, pelo que ainda havia por vir. A trilha sonora eram as intrigantes linhas melódicas e os surpreendentes arranjos harmônicos desse grupo de islandeses, tão impressionantes quanto a Björk. E eis que eu aterrisso na França e, duas semanas depois, estão eles aqui, em Paris! Eu enlouqueci! Mas um pouco mais logo em seguida, quando descobri que os ingressos estavam esgotados, sold out, aliás, em toda a Europa, pelos próximos três meses, quando, finalmente, haveria bilhetes disponíveis - nos Estados Unidos. Só havia uma exceção: Lille, ao norte, um par de dias depois. E tudo isso junto a mudança de casa, contrato de seguro de saúde, colóquio na Sorbonne, burocracias infinitas... Foi uma correria intensa e eis que as luzes se apagaram, desenhos incompreensíveis começaram a ser projetados sobre um curioso véu, diante do palco, a banda começou a tocar e eu estava lá. O show foi simplesmente "tripante", como dizem os franceses, cada acorde era um espasmo, uma viagem interior para outros tempos, outros encontros, outras passagens. Confesso: deu saudade de assistir às apresentações no Brasil, com um monte de gente empurrando e furando fila, no lugar do medo de esbarrar em alguém e ter que dizer "désolée" a toda hora. Ao mesmo tempo, foi um convite a um prazer intimista e aquele acabou sendo um concerto de arrepios. No dia seguinte, uma hora de estrada e estava na Bélgica, em Brugges, a "veneza belga", um charme... especialmente quando se depara, na esquina, com um violonista como o Tony Haven: http://www.tonyhaven.com/, tocando ali, sentado no chão, na maior simplicidade. Depois vieram as iguarias... as patas de rã, servidas como tira-gosto, os mexilhões fritos e, claro, as batatas fritas gordinhas que os belgas comem no cone. Em seguida, veio Bruxelas, com a Delirium, uma cerveja com quase dez por cento de álcool, que faz jus ao nome, e aquela arquitetura fabulosa, que, em certas partes da cidade, torna-se muito duvidosa. Porque, pelo pouco tempo que estive ali, senti que Bruxelas é uma capital mais realista: com sopão servido no metrô no sábado à noite para uma horda de famintos, com sacolas na mão. Então, na volta, fiz questão de ir ao Mercado de Pulgas, no norte de Paris - onde dizem que a gente não deve ir. Talvez porque é lá onde os imigrantes, com seus sotaques complicados, estão, perigosamente espalhados por todos os cantos. (03 de março de 2013)