sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Ser e o Nada

Um amigo, também leitor de Camus e Baudelaire, e constantemente arrebatado pela náusea sartreana, disse-me uma vez que palavras como “migalha”, “prosaico” e “frugal” haviam sido inventadas por mim. Discordo: quem as criou foi Woody Allen. Depois de assistir a seu mais novo filme, “Tudo pode dar certo” (“Whatever works”), fico ainda mais maravilhada com a maneira pela qual esse diretor norte-americano consegue transformar em cinema de qualidade quilos e quilos de neuras, que renderiam, na melhor das hipóteses, muitos anos de terapia e meia dúzia de antidepressivos ingeridos de oito em oito horas. Porque os filmes de Woody Allen, além de nos garantirem boas gargalhadas e a imensa vontade de pegar o primeiro voo para Nova York, resumem-se, no final das contas, a diálogos mordazes intermináveis, recheados de referências niilistas, políticas, religiosas – que nem sempre a gente consegue acompanhar –, que refletem as neuroses comportamentais mais cotidianas e pessoais do diretor. No caso do último longa, a sensação de prosaísmo se intensifica pela presença, no papel principal, de Larry David. Para quem não sabe, David é o roteirista e produtor de uma das séries de maior sucesso em todos os tempos, "Seinfeld" (1989 – 1998), e, mais do que isso, inspirou-se na própria personalidade para criar o personagem George Costanza (interpretado por Jason Alexander). Costanza é, simplesmente, o cara mais adorável e detestável do mundo dos sitcoms, em toda a sua perturbadora “humanidade” (que, neste caso, nada tem a ver com altruísmo e generosidade; muito pelo contrário), nesse seriado que se define como “uma série sobre o nada”. Parece, então, que não é de hoje essa moda – visível pela proliferação de blogs, twitters, podcasts e outras invencionices do gênero – de se falar sobre o nada. Ou o tudo: o dia-a-dia, o frugal, o prosaico. E faz todo o sentido. Assim como declara o personagem de David no filme de Allen, “pouco importa se os EUA têm agora um presidente negro. Pegar um táxi em Nova York continua sendo impossível.” Ou seja, no fim, o que interessa para cada um de nós – sendo agora um tanto benjaminiana – é a história dos esquecidos, a nossa, a que não sai nos livros de História nem na capa da revista “Caras”.
(03/09/2010)

2 comentários:

  1. Essa influência que os filmes passam para nós, especialmente em mim, é muito atormentadora. Todo filme ou livro que vejo ou leio - e que sejam particularmente bons - me dão um "gostinho de quero mais". E sempre que os créditos abaixam, sinto um aperto do coração que me lembra que aquela experiência acabou.
    Até estou hesitanto em ver o novo "Harry Potter", que mesmo sendo dividido em 2 partes, vai ser o fim das aventuras do nosso bruxo preferido.

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  2. Gostei da forma como você definiu o filme. É o cotidiano, é o ritmo de pessoas que tentam fugir do que é banal. E no fim não há nada mais ordinário do que viver (mesmo em Nova York) e até o mais niilista dos gênios se rende à "frugalidade" e ao "prosaico".

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