terça-feira, 15 de maio de 2012

O pinguim que veio do inferno

No feriado da Semana Santa, tive a fatídica ideia de dar um livro ao Juninho. Eu já o havia presenteado com artigos semelhantes em outras ocasiões – HQ´s, revistas para colorir, passatempos, livrinhos de pouquíssimas páginas – mas esta foi a primeira vez em que a quantidade de palavras era, em muito, superior à de ilustrações. Quando abriu o embrulho, o pobre pré-adolescente mal soube disfarçar o desapontamento. Lia-se no rosto dele a dúvida cruel: “isso é um presente???” Tentei estancar o sofrimento do menino com algumas temporadas de “Supernatural”, e, aproveitando-me de um momento de ingênua distração, expliquei, sutilmente: “Isso é um livro. Você precisa lê-lo. Cada capítulo tem em média três páginas... então, leia um capítulo por dia e, quando eu voltar (em maio), você já terá terminado.” Ele estaria livre para me ignorar, inventar uma desculpa e nunca mais tocar no assunto se a avó dele, que é quem o cria, não tivesse contado a história ao meu primo, pai dele, policial em São Paulo ao estilo Capitão Nascimento do primeiro filme. Ele transformou aquilo num real dever de casa: Juninho agora não deveria apenas ler, mas também resumir a narrativa. Que situação desastrosa para nosso herói! Pedi que me mostrasse, então, o tal resumo das trinta e seis páginas que ele havia lido até então. Segue o texto na íntegra, sem alterações, escrito em uma tirinha de papel – quase um marcador – que ele guardava entre as folhas do livro: “Eu intendi (sic) que o pinguim não veio do frio. Ele tinha 3 amigos, que gostavam de aventuras.” Antes de prosseguir, uma informação: o titulo do livro é “O pinguim que não veio do frio” (de Wagner e Maga D´Ávila). Pois bem, era o primeiro resumo da vida dele, o primeiro livro de verdade, e não era justo esperar uma resenha crítica. Sentei-me com ele e ficamos alguns minutos lendo, conversando sobre o sentido das palavras, sobre os personagens, sobre como resumir o que se lia. Ele aprendeu o que significava “inconformado”, dando-me um exemplo de futebol. E, acredite, naqueles instantes, ele estava muitíssimo conformado com a leitura, e o presente, e a presença. Depois, para não desgastar a relação, sugeri que ele fosse jogar bola. Um pouco mais tarde, ria-se de si mesma a minha madrinha – a avó do Juninho: ela havia pensado que o livro se chamava “O pinguim que veio do inferno”. Em certo sentido, faz mesmo sentido. (15 de maio de 2012.)

4 comentários:

  1. Hahahahahahahahahahaha...

    Poderia ser também "O pinguim que saiu pela culatra"!

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  2. Bacana esse relato de alguém tentando fomentar o prazer da leitura em um garoto. Mas então surge a dificuldade dessa associação que existe por aí da leitura com chatice, ou "dever de casa". Aí aparece o sujeito exigindo resumo, para piorar a situação, rs. Mas o garoto não se rende: faz um resumo digno do twitter! Será um belo tuiteiro no futuro. Mas você foi hábil no seu cuidado de equilibrar o presente com a liberdade oferecida para ele fazer o que gosta. Crianças, esses seres imprevisíveis a quem queremos tão bem...

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  3. "policial em São Paulo ao estilo Capitão Nascimento do primeiro filme", "Tentei estancar o sofrimento do menino com algumas temporadas de 'Supernatural'"
    hahahahahahhaha, sensacional

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