quarta-feira, 22 de maio de 2013

Cada um com sua Pasárgada...

Me encantan as bandeiras amarelas e vermelhas pelas fachadas, lembrando-me de que estou outra vez na Espanha, seis anos depois. Muita coisa mudou nesse tempo, para bem além da cor dos meus cabelos. O espanhol agora está mais melancólico, tocando pela rua tangos argentinos. “Fizeram de nós um grande parque de recreação”, desabafou uma espanhola de Valladolid, que deixou por lá a família e o namorado para trabalhar como enfermeira em Barcelona. Ouvi queixas sobre a precariedade do sistema de saúde, os preços das universidades paradoxalmente públicas, sobre as condições de trabalho, os salários atrasados, as aposentadorias tardias, as incertezas acerca do futuro. E, para onde quer que se vire, tudo é magnífico: as casas, os monumentos, a arquitetura, os grandes generais sobre seus cavalos de patas erguidas. O prédio dos correios, por exemplo, é impressionante. Investiram tanto em turismo que, hoje, falta dinheiro para se construírem escolas e hospitais. E é interessante observar o espaço que ocupa agora o Brasil diante dessa quebra de expectativa europeia: procurando um presente para o meu irmão, na loja do Barça, um vendedor muito simpático me explicava os diferentes modelos de camisa, pensando que eu era argentina. Quando falei que era brasileira, ele se entusiasmou: “oye, dizem que no Brasil há muito emprego, verdad?” Eu não sabia o que responder. Porque, sim, há emprego, mas estamos longe da Pasárgada de Bandeira. Há também muita violência, muita corrupção, muita desigualdade social, muita desorganização. Outro dia, um francês me dizia temer que, apesar de todo o progresso, a falta de ordem pusesse tudo a perder no Brasil. E infelizmente ele está certo. Toda a ostentação com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 pode vir a ser o estopim da derrocada. E, daqui a poucos anos, estaremos encarando nossos belos estádios como a relíquia de um tempo em que parecíamos, para o mundo, inclusive o velho, um ponto de fuga perfeito. * Mas, escrevendo assim, faz parecer até que estou triste. Impossível. Acabo de voltar do Parque Güell, que é o máximo do modernismo catalão, e onde estão algumas das obras mais bonitas de Antoni Gaudí. Ontem, visitei a Igreja da Sagrada Família e o Camp Nou, o estádio do Barcelona, um espetáculo à parte. Antes havia estado em Valência, onde pude ir ao campo assistir a uma partida da primeira divisão do futebol espanhol, entre Levante e Rayo Vallecano, passear pela inacreditável Ciudad de las Artes y las Ciencias, ver o Real perder a Copa do Rei para o Atlético de Madrid – um acontecimento histórico! – tomando água de valência e comendo polvo asturiano. E o melhor de tudo: nesta viagem, pude reencontrar amigos que não via há muito tempo, descobertas de viagens anteriores, que se tornaram ainda mais queridos, apresentando-me novos sabores de tapas, outras pessoas gentis, lugares increíbles nessa Espanha tão guapa, que espero em breve ver feliz de novo. (22 de maio de 2013.)

Um comentário:

  1. Lendo a crônica, me lembrei de “Bande à Part”, em que no final o casal de protagonistas resolve escapar para o Brasil. Isso num filme de 1964, imagine só. Já ouvi dizer que as fugas para o Brasil no final de filmes costumavam acontecer com certa frequência.

    Hoje, o Brasil é a 7ª economia do mundo, o que parece excelente, mas, se olharmos com mais cuidado, não é tanto assim. Em termos de PIB per capita, o Brasil está entre o 58º e o 62º lugar, dependendo da fonte. E, quando se leva em conta o poder de compra, está em 72º, de acordo com o Banco Mundial.

    Quando o assunto são as questões sociais, a coisa é ainda pior. O Brasil está em 85º lugar no relatório de Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, atrás de nossos hermanos Chile, Argentina, Uruguai, México, Venezuela e Peru.

    E ainda todas as questões de que você falou, e tantas outras.

    Mas sou um dos que têm esperança.

    Não sei se a Copa e as Olimpíadas serão ou não um fracasso, lamento o investimento massivo em alguns estádios que têm tudo para se tornar elefantes brancos (fala-se que o de Manaus vai virar um presídio), e a corrupção endêmica que com certeza passou suas mãos sujas nos orçamentos dos eventos esportivos, como fazem com todos os orçamentos governamentais no Brasil, independente de quem esteja no governo. O sistema como um todo é corrupto.

    Mas, sem querer usar um lugar comum, mas usando mesmo assim, eu concordo com os que dizem que o Brasil acordou. Ou, pelo menos, está acordando. Nada vai mudar tão rápido como gostaríamos, mas enxergo certos sinais de que há uma tendência para a corrupção ser combatida, para os governos serem mais transparentes, para os políticos terem medo da população. Infelizmente, muitos dos nossos políticos precisam ser forçados a viver com medo, e talvez estejamos começando a conseguir colocar medo neles.

    E, quem sabe, na onda de tudo o que vem acontecendo, a política brasileira não respire novos ares, com mais jovens de valor querendo participar da vida pública, na política partidária ou em movimentos sociais. E quem sabe os não-políticos também se inspirem e incorporem mais ética.

    O Brasil já melhorou muito nos últimos 20 anos. Hoje há estabilidade econômica, um movimento rumo a uma melhor distribuição de renda (que, como você apontou, ainda é extremamente desigual) e uma situação de emprego razoável, a melhor da história (pelo menos a recente).

    [Chegamos ao cúmulo de ter vagas de emprego sobrando, por falta pessoal qualificado – o que também demonstra outra deficiência grave de nossas políticas públicas, que precisa urgentemente ser superada.]

    Você, Gelly, corrobora o que estou dizendo, pois é uma brasileira que serve de exemplo para tudo o que podemos ser, para evoluirmos como nação: ativos, dedicados, trabalhadores, amorosos, humanos, solidários, honestos, e colhedores-disseminadores dos frutos que nascem de tudo isso.

    E vamos caminhando, indivíduos, brasileiros, seres humanos, cheios de vida uns para os outros, mesmo nas dificuldades enfrentando os desafios, agindo no presente com confiança no futuro.

    (Pois, afinal, qual é a alternativa?)

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