terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Janelas

Era o desfecho de um relacionamento nocivo, que começou no Carnaval e terminou na Oktoberfest. Fez mal, mas com o atenuante do curto espaço de tempo, da distância e do medo que perdi do Rio de Janeiro, estado maravilhoso. Naquela madrugada, porém, estávamos em Blumenau. Fui tomar um copo d’água e parei para olhar a rua pela janela da cozinha: sabia que, na manhã seguinte, em algumas horas, o sol adentraria a moldura, iluminando o dia em que aquela história acabaria para sempre. Cada um de nós tomaria um avião diferente, para uma cidade distinta, e não nos veríamos nunca mais. Era uma esperança tão forte que já se tornara certeza. E assim foi: a luz se fez com o fim.

Em outra vez, era verão e eu estava em Florença, com duas amigas queridas. Depois de uma semana de muito museu e gelato, nós tomaríamos o trem para Roma, um caminho coberto de girassóis, e voltaríamos para Paris. Havia alguém esperando por mim, enviando mensagens de amor bêbado às três horas da manhã, sentindo minha falta e me fazendo doer inteira de saudade – apesar da paisagem, da companhia e do campari. A janela trazia paredes cor-de-terra e vozes que, anos depois, eu associaria aos personagens de Elena Ferrante. O sol refletia, quente, o desejo.

Hoje, a janela traz, em primeiríssimo plano, as flores do parapeito, que tremem com o vento de outono. Plongée – e vejo, pela claraboia alheia, o cotidiano dos vizinhos e, às vezes, o gato que escapa para a cordilheira do telhado. Embaixo, a rua se alonga até o fim do quadro, vazia. É invadida, vez ou outra, por crianças que saltitam para a escola, de manhã, e pais que se arrastam, sonâmbulos, ao lado delas. A moldura também guarda, ao longe, um prédio de vidraças coloridas e a bonita torre da mairie de Montreuil, com seu relógio que marca o tempo de uma escolha certa. Hoje, a janela da cozinha traz o presente e o céu aberto.
(10 nov. 2017)

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