domingo, 19 de setembro de 2010

Baby, o porquinho

Deram uma paulada na cabeça do porco que, com as patas amarradas, tentava escapar do inevitável. Era uma tarde de sol, dessas de verão precipitado, numa cidade de médio porte. Quem tirava um cochilo de depois-do-almoço acordou assustado. O grito do porco arranhava o raciocínio, derrubava as paredes, entrava no ouvido como a faca debaixo da pata esquerda, o sangue que saía em jatos. O sangue tinha mesmo que escorrer ou estragava a carne, dizia um entendido. Devia ter cortado a jugular, dizia outro, assustado com o olho aberto do bicho, que ainda se estrangulava num ruído agudo, um guincho, desesperado, insistente. A dor do grito do porco é o mais legítimo som do sofrimento. Um dos homens, o mais assassino de todos, afundava mais fundo o facão, já cego de tanto vermelho, sem saber onde nem como nem quanto. E alguém chegava agora com a água fervendo, que era para escanhoar o animal, tirar o pelo áspero, abrir caminho para a pururuca, pro torresmo. Aos poucos, o bicho foi morrendo, com seu rabo torcido e seu focinho de tomada cor-de-rosa. E o eco do grito do porco deu lugar ao martelar dos prédios em construção, numa cidade de médio porte, tão cheia de fé em si mesma.
(19/09/2010)

5 comentários:

  1. Uma corinthiana se aproximava aos poucos de um porco , armada com uma faca em mãos e derrotas no coração, salta e o derruba, e num movimento de destreza, o apunhala no coração. Enquanto o sangue escorria, via-se um pequeno sorriso em seu rosto, acompanhado de um brilho verde e branco nas órbitas preenchidas por vingança em seus olhos.

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  2. Eu gostei, especialmente, do contraste entre o abatimento artesanal do porco e o crescimento inevitável da cidade de pequeno porte. O homem sempre mantém uma essência um tanto animalesca e instintiva, apesar da sua capacidade de pensar e transformar o meio em que vive. Será ele guiado, como queria Schopenhauer, pela Vontade?

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  3. É por imagens destas que muita gente vira vegetariano. E com razão. Bacon pode ser uma das maiores maravilhas do mundo, mas eu não mataria um porco para obtê-lo. Mas o mundo moderno é tão maravilhoso que nos priva desses inconvenientes: constrói prédios com coberturas feitas sob medida para nossos sonhos de conforto, tecnologias para sair nossas curiosidades e carnes prontas para o consumo em açougues, para evitar que nos sujemos com sangue. Juro que se pensar muito, viro vegetariano.

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