domingo, 16 de janeiro de 2011

Antes do beijo na Dilma...

Quando minha avó ficou doente, nós passamos uma temporada cuidando dela, num bairro sem asfalto chamado Canto do Rio. Era 1989, e Lula concorria à presidência pela primeira vez. Meus pais eram petistas, mas meu pai era fanático. Cresci em meio a comícios, comitês e passeatas. Então, minha avó faleceu, no mesmo período em que Lula fazia campanha pelo sul de Minas, especificamente em Varginha. Não sei ao certo o que se passava ali, entre os adultos, mas lembro-me de que estavam todos muito nervosos com a recente perda na família, e minha mãe preferiu não deixar sozinhos meu avô e meu irmão menor para ir ao comício. Íamos, então, meu pai e eu. Era uma oportunidade única, inadiável, imperdível. Na véspera, fui brincar na rua. Havia muitas crianças no Canto do Rio. Mamãe disse para não ir, que eu ia me machucar – mas, vez por outra, é preciso desafiar essas previsões pessimistas, “não entre na água, que você afoga”, “não suba na árvore, que você cai”. Fui. Eu tinha uns cinco anos e as crianças maiores só me aceitaram no pique-pega na condição de café-com-leite. Minutos depois, confirmou-se a premonição materna: eu me ferrei: caí de cara no chão, sobre uma pedra; fiquei com o rosto transfigurado. Pior daquela noite era olhar no espelho, aos prantos, minha mãe lamentando ao fundo: “agora você não pode mais ver o Lula...” Eu estava horrorosa, sem eufemismos; era possível que o pobre metalúrgico realmente se assustasse diante daquela assombrosa aparição. Mas eu queria muito, muito ir. No dia seguinte, lá estávamos nós. Em pouco tempo, eu já me divertia com outras crianças, sob aquele sol escaldante, e quase esquecia o quanto eu estava feia. Havia muita gente ali e, mesmo com os esforços do meu pai para me erguer acima da multidão, eu quase não conseguia, de fato, ver o Lula. Então o comício acabou. Foi tudo muito rápido. Aplausos, vozes, um tumulto e, de repente, abriu-se um corredor para a passagem do candidato do PT. Meu pai me pegou no colo e disse: “estenda a mão para ele”. Eu obedeci. Lula passou rapidamente por todo mundo, escoltado, visivelmente fatigado. Então ele parou. De repente. Diante de mim. Pegou minha mão e a beijou. Depois foi embora, sem olhar para os lados. Lembro-me ainda do rosto dele, do suor, do cansaço. Olhei para meu pai, maravilhada: “O Lula beijou a minha mão, Papai!” Fiquei famosa na cidade por algum tempo – nas cidades do interior, como na televisão, as pessoas ficam famosas por razões um tanto estranhas. Passei uma época acreditando que nada na minha vida poderia dar errado, já que o Lula – o futuro presidente da República – havia beijado a minha mão, e a de mais ninguém aquele dia, e isso tinha que significar alguma coisa. Depois percebi, na prática, que era uma só ideia estúpida.
Mas o beijo ficou.

(14/01/2011)

Um comentário:

  1. Legal, uma visão, ou pelo menos um certo interesse em Política, desde cedo.

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